IRONIAS DO DESGOSTO
Autor: Cesário Verde on Thursday, 3 January 2013
«Onde é que te nasceu»--dizia-me ella ás vezes-- «O horror calado e triste ás cousas sepulcraes? «Porque é que não possues a verve dos Francezes «E aspiras, em silencio, os frascos dos meus saes? «Porque é que tens no olhar, moroso e persistente, «As sombras d'um jazigo e as fundas abstracções, «E abrigas tanto fel no peito, que não sente «O abalo feminil das minhas expansões? «Ha quem te julgue um velho. O teu sorriso é falso; «Mas quando tentas rir parece então, meu bem, «Que estão edificando um negro cadafalso «E ou vae alguem morrer ou vao matar alguem! «Eu vim--não sabes tu?--para gosar em maio, «No campo, a quietação banhada de prazer! «Não vês, ó descórado, as vestes com que saio, «E os jubilos, que abril acaba de trazer? «Não vês como a campina é toda embalsamada «E como nos alegra em cada nova flor? «E então porque é que tens na fronte consternada «Um não sei quê tocante e enternecedor? E eu só lhe respondia:--«Escuta-me. Conforme «Tu vibras os crystaes da bocca musical, «Vae-nos minando o tempo, o tempo--o cancro enorme «Que te ha de corromper o corpo de vestal. «E eu calmamente sei, na dôr que me amortalha, «Que a tua cabecinha ornada á Rabagas, «A pouco e pouco ha de ir tornando-se grisalha «E em breve ao quente sol e ao gaz alvejará! «E eu que daria um rei por cada teu suspiro, «Eu que amo a mocidade e as modas futeis, vans, «Eu morro de pezar, talvez, porque prefiro «O teu cabelo escuro ás veneraveis cans!»
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