JOVEN CAPTIVA
Respeita a foice a espiga verde ainda;
Sem medo da vindima, o estio inteiro,
Bebe o pampano as lagrimas da aurora:
E eu verde como a espiga, tenra e linda
Como o pampano, hei-de morrer? não quero:
Quero, mas não por ora!
Talvez que a outrem, morte, grata fosses.
Espero! Embora em lagrimas me lave,
Varre-me o norte a mim a face? inclino-a.
Se ha dias tristes, ai! ha-os tão dôces...
Sem amargo, que mel, por mais suave
Que mar, em paz continua?
Benefica illusão meu seio habita.
Sepulte-me este carcere inhumano;
A aza nivea da fé não se agrilhôa.
Escapa ao laço da prisão maldita,
Mais viva e alegre, a esse aereo oceano,
A alvéloa canta e vôa.
Hei-de morrer? porque? se não diviso
Em minha alma um remorso; durma ou vele,
Se eu velo e durmo em paz, na paz do justo!
Se em cada rosto a luz me abre um sorriso;
Aqui mesmo, onde a mágoa o riso expelle;
E a luz assoma a custo!
O fim do meu destino é lá tão longe!
Quantos passei dos alemos que adornam
Esta bella viagem? Assentada
Ao banquete da vida apenas hoje,
A taça ainda cheia as mãos entornam,
Dos labios illibada.
Estou na primavera, oh segadores!
E as mais quadras do anno havia agora
De não acompanhar o sol? havia?
Debruçada em meu pé, gloria das flôres,
Eu não vi mais do que raiar a aurora;
Quero acabar meu dia.
Espera um pouco, oh morte! nada perdes.
Antes consola os que o remorso, o medo,
O desalento pallido devora!
Guarda-me ainda o campo grutas verdes!
As musas, cantos! e o amor... Segredo!
Não morro, não, por ora!
Assim, encarcerada, o rosto lindo
E a vista alçando a regiões ignotas,
Minha musa entoou na fé mais viva:
E eu, as languidas mágoas sacudindo,
Moldei em dôce verso as dôces notas
D'essa joven captiva!
ANDRÉ-CHÉNIER.
Coimbra.