Ladainha da Suissa
A MARTINHO DE BREDERODE
Quando cheguei aqui, dizia baixo o povo
Pelas ruas, vendo-me passar:
--Vem tão doentinho, olhae! e é ainda tão novo...
E assim sósinho, sem ninguem para o tratar!
(Que boa a Suissa! que bom é este povo!)
Raparigas de luar, pastoras d'estes Andes,
Diziam entre si: Quem será este senhor?
Todo de preto, tão pallido, olhos tão grandes!
E rezavam por mim, baixinho, com amor.
(Ó pastoras tão meigas d'estes Andes!)
Por fim entrei receoso em uma caza immensa
Com Jezus-Christo ao fundo e velas e alecrim.
Treme-me ainda hoje a minha alma se n'ella pensa:
Rezas... doentes... ais... corredores sem fim!...
(Ah que tristeza a d'essa caza immensa!)
No alto da escada umas Irmãs da Caridade
Vieram, a sorrir, perguntar: «Como vae?»
No olhar d'ellas (tão doce!) havia tal bondade,
Que me julguei feliz, até sorrir, olhae!
(Minhas boas Irmãs da Caridade!)
Uma dellas guiou-me ao quarto onde a paysagem
Ante meus olhos se estendia e os deslumbrou...
--«E então como passou? Gostou da sua viagem?
E a Nossa-Suissa que tal acha, não gostou?»
(Ó Suissa da divina paysagem!)
Não me deixava com perguntas. Era Suissa
E não deixara nunca esta alva nação.
Ignorava o que era a Verdade, a Justiça:
Tudo n'ella era instincto, innocencia e perdão.
(Que ingenua és ainda, Suissa!)
--Vá, quero que me diga o seu nome, primeiro
E depois d'onde vem, quem é... pelo fallar...
--Venho da beira-mar, e sou um marinheiro.
E ella tornou-me: O mar! eu nunca vi o mar!
(Nos meus olhos o viste tu primeiro.)
Com que doçura, com que mimo e com que graça
Me arranjou tudo! Até meu leito quiz abrir.
E como uma ama diz ao menino que a enlaça,
Disse-me: «Boas noites. Faça por dormir!...»
(Ó Suissa cheia de graça!)
E eu assim fiz. Adormeci, feliz, sereno,
E no outro dia eu já estava melhor.
Passados trez, passei de pallido a moreno
Passado um mez, «não é nada» disse o doutor.
(Oh! quanto eu era então feliz, sereno!)
E a boa Irmã toda contente e dedicada
Que sempre estava á escuta em biquinhos de pé
--Vê, tantos sustos! e afinal não era nada!
E se elle disse «não é nada» é que não é!
(Ó boa Irmã, de voz tão delicada!)
Fallou verdade o bom doutor. Ergueu-se em breve
A minha doida mocidade arrependida.
Bemditos sejaes vós, Alpes cheios de neve!
Bemditos sejaes vós que me salvaste a vida!
(E o meu coração que dôce paz vos deve!)
Bemdita sejas tu, ó Suissa meiga e boa!
Gloriosa entre os mais povos, sê bemdita!
Bemdita sejas tu, de Christiania a Lisboa!
Bemdita sejas tu entre as nações, bemdita!
(Bemdita sejas, minha Suissa boa!)
Lausanna, 1896.