LUZ DA FÉ

Tu, sol! já não me alegras
    Como alegravas, não:
    Vós, sim, ó nuvens negras,
    Relampago e trovão!

    Quando o trovão me aterra,
    Recordo-me de Deus;
    Abalo cá da terra
    E vou por esses céos:

    E lá n'essas alturas,
    Por onde só a fé,
    Em regiões tão puras,
    Nos deixa tomar pé;

    Voar, pairar nos ares
    Como uma aguia cá,
    De lá só vejo os mares,
    E é porque a luz lhes dá.

    O mais como se apanha
    E empolga com a mão,
    Seja a maior montanha,
    Seja a maior nação;

    O mais fica no fundo
    D'esse infinito mar;
    O mais pertence ao mundo,
    É escusado olhar.

    Deus deixa ás creaturas
    Cá baixo a sua cruz,
    E fecha as almas puras
    N'um circulo de luz.

    As chagas, as miserias
    Cá d'este lamaçal,
    Nas regiões ethereas,
    Lá não se avista tal.

    É só a luz, que foge,
    Mais uma irmã que tem
    --A alma, que até hoje
    Não a prendeu ninguem;

    São essas duas luzes
    (Qual d'ellas tão subtil
    Que ás forcas e ás cruzes
    Do despota mais vil,

    Se escapam de tal modo
    Que é de o fazer raivar)
    Cá d'este mundo todo
    O que se vê brilhar!

    Porque uma e outra aspira
    Continuamente ao céo,
    A alma que suspira,
    E a luz que Deus nos deu.

    Porque uma e outra é pura,
    Perpetua e immortal;
    E a sua formosura,
    Não ha nenhuma igual.

    Quem é, ó luz formosa,
    Ó minha bella irmã!
    Quem é que faz a rosa
    Abrir pela manhã?...

    Eu amo-te e (as trevas
    Não teem esplendor!)
    Tu só é que me levas
    O tempo e o amor.

    Mas eu estimo o raio
    E gósto do trovão,
    Por vêr que quando cáio
    É que me elevo então.

    Por vêr que em tendo medo
    Mais se me aviva a fé;
    E a fé, não ha rochedo
    Firme como ella é.

    Por cima da desgraça
    Ou seja do que fôr,
    Ella, não olha, passa
    De fito no Senhor!

    A essa luz divina,
    Ó luz! é que tu és
    Tão pura e crystallina
    Como o Senhor te fez.

    Por isso a noite escura,
    Ah! se eu a preferi
    Á tua luz tão pura,
    É por amor de ti!

Messines.

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