MERIDIONAL
Autor: Cesário Verde on Wednesday, 2 January 2013
Cabellos Ó vagas de cabello esparsas longamente, Que sois o vasto espelho onde eu me vou mirar, E tendes o crystal d'um lago refulgente E a rude escuridão d'um largo e negro mar; Cabellos torrenciaes d'aquella que m'enleva, Deixae-me mergulhar as mãos e os braços nús No barathro febril da vossa grande treva, Que tem scintillações e meigos ceos de luz. Deixae-me navegar, morosamente, a remos, Quando elle estiver brando e livre de tufões, E, ao placido luar, ó vagas, marulhemos E enchamos de harmonia as amplas solidões. Daixae-me naufragar no cimo dos cachopos Occultos n'esse abysmo ebanico e tão bom Como um licor rhenano a fermentar nos copos, Abysmo que s'espraia em rendas de Alençon! E ó magica mulher, ó minha Inegualavel, Que tens o immenso bem de ter cabellos taes, E os pisas desdenhosa, altiva, imperturbavel, Entre o rumor banal dos hymnos triumphaes; Consente que eu aspire esse perfume raro, Que exhalas da cabeça erguida com fulgor, Perfume que estontêa um millionario avaro E faz morrer de febre um louco sonhador. Eu sei que tu possues balsamicos desejos, E vaes na direcção constante do querer, Mas ouço, ao ver-te andar, melodicos harpejos, Que fazem mansamente amar e elanguescer. E a tua cabelleira, errante pelas costas, Supponho que te serve, em noites de verão, De flaccido espaldar aonde te recostas Se sentes o abandono e a morna prostração. E ella hade, ella hade, um dia, em turbilhões insanos Nos rolos envolver-me e armar-me do vigor Que antigamente deu, nos circos dos romanos, Um oleo para ungir o corpo ao gladiador. * * * * * Ó mantos de veludo esplendido e sombrio, Na vossa vastidão posso talvez morrer! Mas vinde-me aquecer, que eu tenho muito frio E quero asphyxiar-me em ondas de prazer.
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