NÃO!

Tenho-te muito amor,
    E amas-me muito, creio;
    Mas, ouve-me, receio
    Tornar-te desgraçada.
    O homem, minha amada!
    Não perde nada, goza;
    Mas a mulher é rosa...
    Sim, a mulher é flôr!

    Ora e, a flôr, vê tu
    No que ella se resume...
    Faltando-lhe o perfume,
    Que é a essencia d'ella,
    A mais viçosa e bella
    Vê-a a gente e... basta.
    Sê sempre, sempre, casta!
    Terás... quanto possuo!

    Terás, em quanto a mim
    Me alumiar teu rosto,
    Uma alma toda gosto,
    Enlevo, riso, encanto!
    Depois, terás meu pranto
    Nas praias solitarias...
    Ondas tumultuarias
    De lagrimas sem fim!

    Á noite, que o pezar
    Me arrebatar de casa,
    Irei na campa rasa
    Que resguardar teus ossos,
    Ah! recordando os nossos
    Tão venturosos dias,
    Fazer-te as cinzas frias
    Ainda palpitar!

    Mil beijos, dôce bem!
    Darei no pó sagrado,
    Em que se houver tornado
    Um corpo tão galante!
    Com pena, minha amante,
    De me não ter a morte
    Cahido a mim em sorte...
    Cahido a mim tambem!

    Já exhalando os ais
    Na lugubre morada
    Te vejo a sombra amada
    Sahir da sepultura...
    A tua imagem pura,
    Fiel, mas illusoria...
    Gravada na memoria
    Em traços tão leaes!

    Então, se ainda alli
    Teus vaporosos braços,
    Poderem dar abraços
    Como dão hoje em dia,
    Peço-te, sombra fria!
    No mais intimo d'elles
    Que a mim tambem me geles,
    E fique ao pé de ti!

    Mas, ai! meu coração!
    Tu porque assim te affliges,
    E tremula diriges
    A vista ao céo piedoso!...
    O quadro é horroroso,
    A scena triste e feia,
    Basta encerrar a idéa
    D'uma separação...

    Mas, ouve, existe Deus.
    Ora e, se Deus existe,
    Tão horroroso e triste
    Que pódes temer? Nada!
    Desfruta descançada
    O extasi, o enleio
    Em que eu já saboreio
    O jubilo dos céos!

    Deixa-me n'esse olhar
    Vêr como a lua assoma...
    Sim, deixa no aroma,
    Que a tua bocca exhala,
    Vêr como a rosa falla
    Quando a aurora a inspira...
    Vêr como a flôr suspira
    Por vêr o sol raiar!

    A morte para amor
    É exito sublime.
    A morte para o crime,
    É que é amarga e feia.
    A morte não receia
    O verdadeiro amante;
    Por ella a cada instante
    Implora elle o Senhor.

    É juntos, tu verás,
    Que nós expiraremos!
    Sim, juntos, que os extremos
    Olhares cambiando,
    Iremos despegando,
    Do involucro terreno,
    O espirito sereno
    Como a eterna paz!

    Vê, só porque suppuz
    Chegado esse momento,
    Já esse olhar mais lento...
    As vistas mais serenas...
    Bruxuleando apenas,
    Em languido desejo,
    Symphatico lampejo
    D'uma ineffavel luz!

    Ha, n'este triste valle
    De lagrimas, a imagem
    De dois n'essa passagem
    Para a eternidade...
    A nevoa, a anciedade,
    O jubilo que mata,
    Dão uma idéa exacta
    Do transito fatal.

    Mas essa imagem, flôr!
    É tão fiel, tão viva
    Que á sua luz activa
    Se cresta a flôr mimosa!
    E nem o homem goza:
    Se goza é um momento!
    Depois... o desalento!
    Depois... o desamor!

Portimão.

Género: