NO LEITO NUPCIAL
Dorme, estatua de neve,
Vergontea de marfim!
Tocar que impio se atreve
No que é sagrado assim?
Dois são: o mais, mysterio
Vedado á terra. Deus
Talvez do solio ethereo
Nem baixe os olhos seus.
Respeita-os, tapa-os, como
Japhet e Sem, o pai...
Pende, sagrado pomo!
A vista ergue-se e cai.
Ergue-se e cai, conforme
A lei, que o manda assim.
Ergue-se e... Dorme, dorme,
Vergontea de marfim!
Mas dize: o espelho a imagem
Te estampa mal te vê;
Beija-te o seio a aragem,
Doira-te o sol; porquê?
Não segue acaso a sombra
Teu corpo sempre, flôr!
E pois, porque te assombra
Meu insensato amor?
Ás vezes passas tremula
Como sagrada luz;
E os olhos dizem: vemol-a
Como no alto a cruz.
Perdoa se isto exprime
Maldade aos olhos teus;
Perdoa-me se é crime...
Amo tambem a Deus.
E á tarde quando o albergue,
No solitario val,
Incenso queima e se ergue
D'Abel o fumo igual;
Da pomba solta o vôo,
Baixa-me um olhar teu
E dize-me: perdôo;
Sim, tudo aspira ao céo!
Coimbra.