PAIXÃO

Suppõe que d'uma praia, rocha ou monte,
    Com essa vista embaciada e turva
    Que dá aos olhos entranhavel dôr;
    Tinhas podido vêr transpôr a curva,
    Pouco a pouco, do liquido horisonte,
    A saudosa barca, que levasse
    Aquelle, a quem primeiro uniste a face
        E o teu primeiro amor!

    Depois, que toda mágoa e saudade,
    Da mesma rocha ou alcantil deserto,
    Olhando ávidamente para o mar;
    Vias na solitaria immensidade,
    Vagas ficções d'um pensamento incerto,
    Surgir das ondas, desfazer-se em espuma;
    Não alvejando, nunca, vela alguma
        E, sempre, a suspirar.

    Até que á luz d'uma intuição sublime
    D'alma arrancavas o gemido extremo
    De saudade, desespero e dôr!...
    Pois é assim que eu soffro, assim que eu gemo!
    Que nuvem negra o coração me opprime;
    Nuvem de mágoa, nuvem de ciume,
    Em te não vendo á hora do costume,
        Meu anjo e meu amor!

Lisboa.

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