Passos do Ignorante

Fui rei do meu castelo, senhor do meu forte.

Agora sou como um grão de areia,
Faço casa nas dunas das ruas.

Fui comensal da gula, talher de prata da soberba.
Hoje parto o pão com a vida, no meio dos que ignorei.

Hoje, no momento, agora
Sou como eles … sombras nos passeios.

Vesti sedas, organzas, veludos sangue,
Brilhei, ofusquei, fui a fama e a riqueza.
A minha torre caiu, o cristal estilhaçou-se sem ter idade,
Na pena e na vergonha, (não a minha) mas na dos que são o que eu era
Me tornei.

Sou o passageiro fixo do táxi da realidade, rivalizo a morte

Existo desde o inicio dos tempos,
MAS AGORA … …
Agora vivo nas guerras físicas e psicológicas, nas cidades
Por entre as ruas, pessoas, campos de batalha.

Visto pele, sangue e carne,
Sorvo os nãos da minha raça.
Tenho a Terra como cama, o Céu como cobertor,
As estações são a minha roupa e os meus sapatos.

O meu passado é o teu presente,
O meu presente o teu futuro.
Falhei, falhamos,
Não temos desculpa!

Do alto da minha casa olho a multidão,
Agora sei  ...  Sou o Sal da Humanidade
A raiz da sociedade, a consequência da evolução
VIVO SEM ABRIGO.

Destino igual para vós não quero!

O sem-abrigo, o vagabundo, o vadio, o pobre
Não são eles, somos nós, tu, eu, ele, qualquer um
Que na ponta de um suspiro se transforma, 
No cartão debaixo de uma entrada de prédio,
Na mão estendida em pedido, 
Na fome dos dias e noites, 
No frio da insipiência conterrânea.

Apreendei, não julgueis,
Pois o machado da desigualdade pode cair sobre vós
Como caiu sobre mim.
Da pena e piedade riu-me, não as quero.

A mortalha que me envolve é da DIGNIDADE, do RESPEITO, da SABEDORIA
Quem me dera ter outrora sabido o que sei hoje.
Teria então honrado o meu estatuto de humano 
Para com os meus irmãos sem-abrigo.

As sombras nos passeios respiram, sonham, vivem
Ouçam-nas, sintam-nas e olhem dentro dos seus olhos 
Na profundidade das iris cansadas e desgastadas, no espelho da alma
Estão reflectidos as vossas vidas, os vossos rostos
A vossa existência.

Seja ela entre quatro paredes,
Ou na imensidão da terra.

13/10/2012

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É sempre bom conseguir enxergar nossas enormes pequenezas!