Pois se o homem, se anjo e nume

    Pois se o homem, se anjo e nume,
        Planta e flôr,
    Dá seu canto, luz, perfume,
        Crença e amor;

    Pois se tudo sobre a terra
        Que ame alguem,
    Rosa ou espinho, quanto encerra
        Dá, se o tem;

    Se os carvalhos, nus, medonhos,
        Veste abril;
    Se inda a noite presta aos sonhos
        Graças mil;

    Se onde ha ramo, voz uma ave
        Desprendeu;
    Se onde ha folha, gotta suave
        Cahe do céo;

    Se na praia, quando a onda
        Vem de lá,
    Beijos, antes que se esconda,
        Mil lhe dá;

    Tambem, anjo meu saudoso!
        Te hei de emfim
    Ah! dar quanto de precioso
        Sinto em mim!

    Dou-te o nectar, que me acalma;
        Toma-o tu!
    Sim, meu pranto; mais uma alma
        Que eu possuo!

    Dou-te os sonhos meus ardentes,
        Mas leaes;
    Dou-te as notas mais cadentes
        Dos meus ais!

    Do que ha lindo, tudo quanto
        Me seduz;
    D'esta vida, riso e pranto,
        Noite e luz!

    Dou-te o genio meu, que á sorte
        Vês fluctuar
    Sem mais véla, sem mais norte
        Que esse olhar!

    Dou-te a lyra, que me inspiras,
        Sonho meu!
    Que suspira, se suspira,
        Flôr do céo!

    Dou-te; aceita: tudo é santo,
        Tudo, flôr!
    Dou-te uma alma toda encanto,
        Toda amor!

                          V. HUGO.

Coimbra.

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