REMOINHO

Olha como embrulhado
    Que está ainda o céo
    E o chão, como ensopado
    Da agua que choveu...

    Foi um diluvio d'agua;
    E o furacão, que fez,
    Emilia! até dá mágoa
    Tantos estragos: vês?

    Esta infeliz víuva,
    Foi-lhe o telhado ao ar;
    Depois, já nem da chuva
    Tinha onde se abrigar.

    De mais a mais sósinha,
    Sem ter nenhum dos seus
    Aqui ao pé; ceguinha...
    Bemdito seja Deus!

    Além n'aquelle serro
    Parece que raspou
    Com uma pá de ferro
    A terra que encontrou.

    Nem um só pé de trigo
    És lá capaz de vêr.
    Já eu disse commigo:
    Como póde isto ser?

    As arvores arranca
    O vento muito bem;
    Serve-lhe de alavanca
    A rama que ellas tem.

    Vem de lá elle e, topa
    N'uma arvore, o que faz?
    Enrola-se na copa
    E, tronco e tudo, zás!

    Que as folhas não são nada,
    Uma por uma, não;
    Mas já uma pernada...
    Tão poucas ellas são?

    Vê lá se o teu cabello
    É para comparar;
    Mas, possa alguem sustel-o,
    Levanta-te no ar.

    Aqui um loureirinho,
    Que era o que havia só,
    Encontra-o no caminho,
    Ia-o fazendo em pó.

    D'aqui passa, á maneira
    Assim d'um caracol,
    Áquella farrobeira
    Põe-lhe a raiz ao sol.

    Aquelle enorme tronco
    Quiz resistir, depois,
    Ouviu-se um grande ronco,
    Quando o eu vejo em dois.

    Andava a rama toda,
    Emilia! assim, vês tu?
    Á roda, á roda, á roda,
    Eis senão quando, rhuh!

    Foi quando veio o outro
    Urrando como um boi,
    Oh que horroroso encontro!
    Então é que ella foi.

    Vês uma cobra enorme
    Á calma, quando está
    Grande calor, conforme
    As tenho visto já?

    Que não tem ar avonde,
    Falta-lhe já o ar,
    Quer sangue ou agua onde
    Se possa refrescar;

    Anceia-se, sacode
    O corpo todo a vêr
    Se vôa, mas não póde;
    Voar não póde ser;

    E como não supporta
    Já o calor do chão,
    Ao vêr-se quasi morta
    De raiva e afflicção,

    Apenas finca a ponta
    Do rabo em terra, e sái;
    E faça-se de conta
    Que é a voar que vai

    N'aquellas roscas todas
    Que, olhando-se-lhes bem,
    São outras tantas rodas
    Em cima d'onde vem;

    N'aquelle parafuso
    --Aquelle rodopio,
    Á roda como um fuso
    Suspenso pelo fio;

    Com a cabeça chata,
    Aquelle olhar feroz,
    Aquelle olhar que mata
    Sempre de fito em nós?

    Assim d'essa maneira
    É que elle vinha, o tal;
    Salta-lhe á dianteira
    Este de força igual;

    E assim que se avistaram,
    Não sei o que lhes dá;
    Ficam suspensos, param,
    Como com medo já;

    Aquelles sorvedouros,
    Em vez de remoinhar,
    Parecem-se dois touros
    Jogando a terra ao ar;

    Ouvia-se a oliveira
    Zunir no ar, então,
    D'um para o outro inteira,
    Nem bala de canhão;

    E assim se vão chegando
    Cada vez mais, até
    Que eu ólho, eis senão quando
    Vejo... mas vejo o que?

    . . . . . . . . . . . . . . .

Messines.

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