SEPTENTRIONAL
Autor: Cesário Verde on Tuesday, 1 January 2013
Talvez já te esquecesses, ó bonina, Que viveste no campo só commigo, Que te osculei a bocca purpurina, E que fui o teu sol e o teu abrigo. Que fugiste commigo da Babel, Mulher como não ha nem na Circassia, Que bebemos, nós dois, do mesmo fel, E regámos com prantos uma acacia. Talvez já te não lembres com desgosto D'aquellas brancas noites de mysterio, Em que a lua sorria no teu rosto E nas lages que estão no cemiterio. Quando, á brisa outoniça, como um manto, Os teus cabellos d'ambar desmanchados, Se prendiam nas folhas d'um acantho, Ou nos bicos agrestes dos silvados, E eu ia desprendel-os, como um pagem Que a cauda solevasse aos teus vestidos; E ouvia murmurar á doce aragem Uns delirios d'amor, entristecidos; Quando eu via, invejoso, mas sem queixas, Pousarem borbeletas doudejantes Nas tuas formosissimas madeixas, D'aquellas côr das messes lourejantes, E no pomar, nós dois, hombro com hombro, Caminhavamos sós e de mãos dadas, Beijando os nossos rostos sem assombro, E colorindo as faces desbotadas; Quando ao nascer d'aurora, unidos ambos N'um amor grande como um mar sem praias, Ouviamos os meigos dithyrambos, Que os rouxinoes teciam nas olaias, E, afastados da aldeia e dos casaes, Eu comtigo, abraçado como as heras, Escondidos nas ondas dos trigaes, Devolvia-te os beijos que me déras; Quando, se havia lama no caminho, Eu te levava ao collo sobre a greda, E o teu corpo nevado como o arminho Pesava menos que um papel de sêda... E foste sepultar-te, ó seraphim, No claustro das Fieis emparedadas, Escondeste o teu rosto de marfim No véu negro das freiras resignadas. E eu passo, tão calado como a Morte, N'esta velha cidade tão sombria, Chorando afflictamente a minha sorte E prelibando o calix da agonia. E, tristissima Helena, com verdade, Se podéra na terra achar supplicios, Eu tambem me faria gordo frade E cobriria a carne de cilicios.
Género: