SONHO

Ha muitos sonhos de imaginação,
        De mera phantasia:
    Outros, que são a voz da prophecia,
        A voz da intuição,
        A voz do coração.

    Pões fé em sonhos taes, Maria?... Pões?
        E fazes bem, que ás vezes
    Sonha a gente venturas e revezes,
        Que se tornam depois
        Bem certos! Ouve pois:

    Sonhei que era n'um valle. Anoiteceu.
        Então duas estrellas.
    (Tão lucidas, tão limpidas, tão bellas!)
        Vieram lá do céo
        Alumiar-me. E eu...

    Não sabia e pergunto: o que buscaes,
        Alampadas celestes!
    Vós, cá por este mundo... o que perdestes?
        Na terra não achaes
        Senão prantos e ais!

    Respondem-me as estrellas (como a quem
        As tivesse captivas,
    Tão tremulas! as bellas fugitivas)
        --Buscavamos alguem
        Que nos quizesse bem:

    É sorte nossa, é nossa condição
        Dar luz, ser norte e guia;
    Mas de mais boamente se alumia
        Na terra um coração
        Que nos tem affeição.--

    --Pois e se vós do céo, lá onde até
        Se ignora o que são dôres,
    Vindes á terra procurar amores,
          Estrellas! se assim é,
          Tendes-me aqui ao pé:

    Que em summa a noite da minha alma é tal
          Que eu pobre viajante
    Ando... se para traz, se para diante,
          N'este profundo val,
          Não sei nem bem mal.

    Guiai-me pois, estrellas do Senhor!
          E a jura que vos faço
    É que na terra não darei um passo
          Senão só por amor
          Do vosso resplendor!--

    Ellas então sorrindo-se, que eu vi,
          Tão meigas e suaves!
    Voaram como duas lindas aves;
          Indo poisar ahi...
          N'esse teu rosto... em ti!

Lisboa.

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