Trabalho de Religião...

TRABALHO DE RELIGIÃO...
 
Em um dia, de primavera... Com sol de verão!
No país gigante pela própria natureza...
Só se for à natureza humana! Pois, todo país é uma invenção!
Numa escola, a da diretora Ditadura, linha dura...
Diante de uma platéia, não numa sala de aula, mas, numa quadra de esportes... 
Especial trabalho, com a professora Numa...
Era apresentação dos trabalhos da turma!
 
Trabalho de Religião...
Muitas apresentações: muita apreensão!
Efeitos especiais, demonstrações, teatro, vídeos, desenhos, mímica, declamações...
Cada aluno falava e apresentava um credo, uma fé...
 
Todos ansiosos e atenciosos... Num palanque:
Estavam outros professores, o padre, a diretora, os pais, e os vereadores, o  prefeito até...
Também, o jornal da região... Um jornalista da rádio!
Seria o trabalho mais importante do ano, o trabalho de Religião!
 
Marianinha, apresentou o judaísmo! Muitas fotos de Jerusalém...
Terra santa, lá morre alguém?
Aninha, o catolicismo! E uma lista sem fim de nomes de santo... Não tinha para ninguém!
Chiquinho,  o protestantismo e suas maiores correntes! Divididas, rompidas, dissidentes...
Intermináveis e desajustados elos quebrados de uma crescente corrente!
Chiquinha, sua irmã gêmea, o espiritismo... E, muitos outros estudantes...
 
O último aluno,  tímido, magrinho que dava dó!
Não tinha nenhum efeito especial!
Não estava com roupas de teatro, parecia nervoso...
Todos pensaram, que seria, o pior trabalho! Seria um zero, para o menino insosso...
 
O pobre menino, um pouco desajeitado, deu um sorriso maroto, acalmou-se... Inspirou...
- Boa tarde a todos e todas!
- Não vou apresentar um trabalho sobre uma determinada religião, nem seita, nem fé!
- Nem conto de santo, nem explicação! Também, falar da mesma coisa que outros...
- Fica repetitivo, não é?
 
A platéia deu uma gargalhada só!
O estudante continuou:
- Bem, para não dizer que não investi em tecnologia na minha apresentação...
- Uma seqüência de imagens passará no telão... As imagens combinam com o texto!
O rapaz tira do bolso uma folha de papel meio amassada... Toda riscada!
A platéia da risada! Ele, calmamente declara:
 
- Eis minha apresentação sobre religião e outros conceitos relacionados:
 
-“Respire fundo: imagine, uma música... Pode ser só a parte instrumental! Preferivelmente, um Rock in roll metal, com várias guitarras aceleradas... Aceleradas! Ou, uma clássica que lhe inspire, motive e comova significativamente: grande fluxo de pensamentos...”.
- Agora, some a essa música escolhida, imagens, em cadeia de raciocínio... Imagine: Mutilações genitais (inclusive em crianças e bebês); decepamentos de cabeças com facas após louvores e cânticos; estupros coletivos; apedrejamentos; abusos; escravidão; pilhagens; roubo de terras; rituais e sacrifícios para matar seres humanos, adultos e crianças; queimar crianças; usar espadas contra criancinhas que mamam; matar animais... Arrancar o coração de um ser humano vivo, e, levantar “oferecendo” para o sol... Tudo repetido e multiplicado por séculos... Milênios!
- E ainda: uso de entorpecentes alucinógenos; machismo; xenofobia; homofobia; holocausto; aparelhos de tortura de inumeráveis tipos; queimar seres humanos em praça pública por qualquer motivo (transformando em espetáculo), ou sem motivo! Induzir; mentir; negar a realidade e a capacidade crítica; o estudo... Perdi o fôlego!
- Mas, vamos continuar: persuasão coletiva; corrupção, engodos em oratória baseada em textos sagrados (ou supostamente sagrados; alterados, com contradições, modificações, traduções imprecisas e tendenciosas direcionadas...). Condenações de inocentes; morte de inocentes; negação do prazer, do sexo, do orgasmo feminino e masculino; desprezo por uma comida saborosa; obrigação de passar fome; se ajoelhar por horas; carregar pedras na cabeça; tomar banho e beber a água de um rio altamente poluído... Infecto contagioso! Usar roupas inapropriadas num clima extremamente quente...
- Subjugar a mulher, rebaixar a mulher, colocar uma lista terrível de obrigações e afazeres para a mulher, humilhar a mulher, constranger, obrigá-la a favores sexuais, desprezar, enclausurar socialmente, politicamente, no lar, no templo... Negar a alfabetização da mulher (ou a educação)!
- Pedofilia, guerras intermináveis, ações contra o livre pensamento, a livre expressão de opinião, de imprensa. Proibir utilizar um meio de comunicação coletivo... Produção de paranóias, doenças mentais, exaltação da mendicância ou da miséria, por outro lado da riqueza e do poder centralizado e excessivo... Ordenamentos, normas, imposições do que comer! Estudar! Vestir! De como proceder durante as relações sexuais (posições); em quem votar! Por diferentes motivos praticar antropofagia...
- Pronto! Ponto! Chega! Ou não? Mais: auto mutilação; arrogância desmedida; teomanias...
- Rebaixamento total da auto-estima, ou, contrariamente: exaltação absurda! Declaração de ser e deter: a verdade; ser o dono da verdade; saber tudo sobre o divino, o humano; a realidade, a vida; desprezar a ciência (todas), não buscar, não utilizar o conhecimento da medicina (transfusão de sangue, remédios, tratamentos, por exemplo). Rechaçar, aniquilar a filosofia e o livre pensar... Pronto e ponto!
- Qual palavra pode-se colocar (como elemento presente ou de ligação, influente, relevante) dentro dessa lista: macabra, nefasta e desumana? Na verdade não é uma palavra, mas, várias que se assemelham e estão ligadas, interconectadas como elos numa “teia de correntes de bronze no tempo”: crenças, fé, mitos, religião!
 
- A citação difícil de imaginar e “digerir” anteriormente feita deve ser considerada no tempo, isto é, em todo o “tempo” do humano no planeta. E, logicamente em qualquer grupo de pessoas em uma região!
- Obrigado!
- Terminei  meu trabalho!
A diretora Ditadura estava branca, pálida, quase desmaiando!
O padre se retirou! Fugiu!
Um coroinha começou a falar sobre abusos sofridos!
Mandava todo mundo para p... que pariu!
 
Alguns poucos pais aplaudiram, outros maneavam a cabeça...
Que algazarra!
Muito murmurinho!
A professora pegou o microfone:
 
- Calma! Calma! Calma... Calma! Gritou com autoridade!
- Respeitem o diferente!
- A crítica e a análise!
- O último trabalho foi o que tocou em nossas mentalidades... Nos chocou?
 
Uma das chefas das beatas se levanta:
- Isso é uma vergonha! Um escândalo! Esse guri tem que ganhar zero e apanhar!
- Só assim para se endireitar! E, ainda, algumas horas no milho de joelhos, rezar!
- Nossa comunidade é religiosa! E esse insulto não aceitará! Castigo já!
 
A professora contesta:
- Foi, historicamente, errado o que ele apresentou?
- Mentira?
- Se foi, alguém tem uma prova que o poder religioso, a crendice, o misticismo, o mito...
 
- Não influenciaram pessoas a cometer tais coisas?
- Não provocaram  guerras, ações das mais brutais?
- Ainda hoje, não divide pessoas, não exclui, promove lutas e desentendimentos?
A professora, aplaude sozinha a apresentação, prometendo e piscando o olho, um dez!
 
O estudante sorridente, fala um muito obrigado para a platéia, com um sorriso maroto!
Manda beijos para todos, e sai feliz contente o moleque  tinhoso!

[A ficção pode ser uma voz!]

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Comentários

muito bom! smiley

Muito obrigado Carol!

Até pensei que seria um texto um tanto ríspido quanto aos que prefessam alguma religião, mas, como citou Russell "temos que atentar aos fatos". E, se há um desejo de expressar o que se sente e, este sentir, ser expressado na escrita, "nascem assim" textos voltados ao real mesmo poéticos, ou não poéticos...