Um pensar para...
Um pensar para...
Para poder pensar...
Poder para pensar...
Pensar para poder?
Pensar nos gritos dos excluídos,
nas dores dos torturados,
na fome dos mendigos,
nas cadeias dos aprisionados, nas misérias dos esfomeados...
Pensar nos flagelos dos abatidos,
nos abusos sofridos dos inocentes abusados,
nas feridas dos feridos, no pus, na casca, no fel, nas enfermidades,
nas doenças que não saram...
Pensar nos alienados enganados,
nos mentirosos que mentem,
aos crédulos desesperados,
nos néscios desassistidos... Nos loucos enlouquecidos...
Pensar nos que não podem pensar,
nos anencéfalos desprezados,
nos não nascidos, nos assassinados,
nos abortados....
Pensar nas complexidades da existência...
nos números, nas complicações do natural, do físico, do real,
nos experimentos, nas artes, nas alquimias antigas,
nos mapas traçados, nos planos executados, nas guerras acontecidas...
Pensar no sofrer que há,
no sofrer real,
no sofrer que vejo e sinto,
no sofre imensurável e abismal...
Pensar na História Universal,
do homem, da besta, do animal,
da cidade, das plantações, das sagas,
das secas, das rezadeiras,
dos ritos, das maldições, das fogueiras, inquisições...
Pensar nos apedrejamentos,
nos estupros em grupos, nas mãos que arrancavam corações,
pulsantes, em agonia, mortos, esvaindo-lhe a vida,
nas crianças mortas por espadas e queimadas...
Um pensar para...
Para poder pensar...
Poder para pensar...
Pensar para poder?
Agora escuta-me ó Deus Não Conhecido:
não és limitado, não és diminuto, não és homem...
Não és indouto, não és uma estátua muda...
Não és uma estrela no céu...
Não és um medíocre ídolo efêmero...
Não desconheces...
Não estás ausente...
Ó desconhecido e Todo Poderoso...
Já estavas em tua inefável sabedoria tudo que citei?
Além do tempo, do mundo, do ser que sou...
Não há respostas só o silêncio...
Assim abandonar-te-ei?
Pensando conhecer-te perco-te?
Eis aqui o imperfeito mortal clamando ao onisciente eterno espiritual...
Acorda, desperta, venha, fala, aja, faça, atue, abra os mares...
Explique, ilumina, revela, ajuda-nos...
As vozes falaciosas multiplicam-se!
Os enganos são como areia da praia multiplicada no prateado luar...
Seja conhecido, não consigo conhecer-te...
E só respondes com silêncio...
Existes?
[Imagem: arquivo de família, fragmentos de um diário de meu pai quando nossa casa foi destruída por uma tempestade nos anos setenta em Viamão, no sul do Brasil.]