Dedicado

A hum Leigo, que era vesgo...

_A hum Leigo, que era vesgo, e que nunca teve fastio; e a quem por acazo
tocou na cabeça a ponta de hum espadim_.

Ferio sacrilega espada,
Alçada por mão traidora,
Cabeça, que sempre fôra
Té aos Barbeiros vedada;
D'entre a grenha profanada
Corre o sangue á terra dura;
Tosquiou-se a matadura;
E o casco rebelde a ordens,
Precizou destas desordens
Para ter Prima Tonsura.

A respeito de hum Padre, que dizia ter sido Mestre de Rhetorica

_A respeito de hum Padre, que dizia ter sido Mestre de Rhetorica; que
tomava triaga contra o veneno que ainda lhe havião de dar; que dizia que
estava eleito Cardeal; e que era demaziadamente trigueiro, se deo este_

MOTE.

_Não tem côr de Cardeal_

Não ajuda ao Padre a cara;
Revolvo antigos Annaes,
E vejo que os Cardeaes
Tinhão a pelle mais clara;
Será maravilha rara
Achar hum de côr igual;
Forão brancos como a cal
Mazarino, e Alberoni;
E a não ser este o Negroni,
Não tem côr de Cardeal.

A hum Fidalgo, que pedia para o Author hum lugar na Secretaria

_A hum Fidalgo, que pedia para o Author hum lugar na Secretaria, na
occazião em que elle pertendia o seu proprio Despacho_.

Se vemos rir quem chorava,
E tantos exemplos temos,
Senhor, não desesperemos,
Deos ainda está onde estava:
Água branda as pedras cava;
Em tudo o tempo he precizo;
Saber teimar com juizo
Tem mil montes aplanado;
Talvez sejais despachado,
E talvez que eu lavre o Avizo.

_Na despedida de hum Ministro, que partia levando seus Filhos_.

A Lei da pura amizade
Minhas lagrimas condemna;
Quer que ceda a minha pena
A' tua felicidade;
Vai; e em quanto a vil maldade,

E a intrigante cubiça,
A baixa inveja, a injustiça
Pézas na recta balança,
Conserva de mim lembrança,
Que he tambem fazer justiça.

*DE NOUTE*

A João de Deus

Elle vinha da neve, dos trabalhos
Violentos, custosos, da enxada;
Cantando a meia voz pelos atalhos.

A mulher loura, infeliz, resignada,
Cosia junto á luz. O rijo vento
Batia contra a porta mal fechada.

Ao pé havia um Christo, um ramo bento,
E uma estampa da Virgem, colorida,
Cheia de magoa olhando o firmamento.

Uma banca de pinho, mal sustida,
Vacillante nos pés, um candieiro;
Companheiros d'aquella negra vida.

Ao Illustrissimo, e Excelentissimo Senhor Marquez de Marialva

_Ao Illustrissimo, e Excelentissimo Senhor Marquez de Marialva, com quem
se tinha encontrado o A. na Caza em que estava o Embaixador de
Marrocos_.

Na Quinta da Praia clama,
Que lhe tireis a Cadeira
Hum triste, que quarta feira
Comvosco esteve em Moirama:
Se a Estrella, que a Vós o chama,
Não lhe abranda os seus destinos,
Torna para os Marroquinos;
Porque, agoiros por agoiros,
Antes cativo de Moiros,
Do que Mestre de Meninos.

*ACCUSAÇÃO A CHRISTO*

Bradava um dia ao Christo, ao Redemptor,
Satan, cançado d'insultar os astros:
--Eis-te pendido ahi qual velha flor,
Propheta escarnecido nos teus rastros!...

Vê como a Egreja vae! baixel sem mastros!
Navio roto em mares do Equador!
E os seus padres tem ouros e alabastros,
E folga, Messalina sem pudor!

Tem lançado teu corpo aos cães e aos corvos!
Falsificado a Lei, cheia d'estorvos,
E fogueiras erguido, ó Christo! ó Cruz!...

Fazendo annos o Illustrissimo, e Excelentissimo Senhor Marquez de Angeja...

_Fazendo annos o Illustrissimo, e Excelentissimo Senhor Marquez de
Angeja, Tenente General, na occazião em que sahíra Provedor da
Mizericordia_.

Que fazem Versos cansados,
Applaudindo os vossos Annos,
Se dos nossos Soberanos
São melhor elogiados?
Se os trazem sempre empregados
Em servir a Monarquia,
Se a Real Secretaria
Escreve em vosso favor,
Taes prozas louvão melhor,
Do que a melhor Poezia.

No dia dos annos da Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de Villa Verde...

_No dia dos annos da Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de
Villa Verde, hoje Marquez de Angeja, em cuja caza o Author jantou_.

Senhor, talvez neste dia
Já cantei Versos polidos;
Porém em tectos cahidos
Não mora o Deos da Poezia.
Voou; e da testa fria
Me tirou o verde loiro,
E das mãos a Lyra de oiro;
Tudo em fim se foi co'a bréca;
Mas se a Aganippe se séca,
Não se ha de secar o Doiro.

_Ao Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de Villa Verde, hoje Marquez de Angeja_.

Em sege estreita entaipados,
Sol á ilharga, Sol por cima,
Vinha eu, e o Padre Lima
Cheios de pó, e encalmados.
Eis-que na estrada atacados,

Párão as mulas baratas;
Cuidei eu que erão Piratas,
Que tirão vida, e dinheiro,
Fui ver se era o Clavineiro,
E achei duas Açafatas.

Pages