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*A TORTURA DAS CHIMERAS*

Les édifices eloquentes...
     Balzac

Quantas vezes, nas noutes pluviosas,
Ou nas limpidas noutes estrelladas,
Como espectros de espinhos e de rosas--
Erguem-se em nós as cousas apagadas!

Que vezes, n'esta vida positiva,
--N'esta comedia lugubre moderna--
Se eleva a outra esphera nobre e viva
Nossa alma mais poetica, mais terna!

Os contornos das cousas despresadas,
Um fundo triste, um muro, umas ruinas
Um mosteiro, um luar--nas almas finas
São como umas celestes madrugadas.

IN PROMPTUM PASTORAL

_A Amadeu de Freitas_

«Muito vence quem se vence
Muito diz quem não diz tudo,
Porque a um discreto pertence
A tempo fazer-se mudo.»

(_Copla do Infante D. Luiz_.)

Sob este céu creador
De manhã vergiliana,
Apetece ser pastor
E tocar frauta de cana;

Não, pastor d'autos d'amor,
D'eclogas frias e velhas,
Mas verdadeiro pastor
De verdadeiras ovelhas...

Não conhecer o talento
Nem nada do que se ensina.
Esta dôr do entendimento
É peor do que se imagina...

*Quando Chegar a Hora*

Quando eu, feliz! morrer, oiça, Sr. Abbade,
    Oiça isto que lhe peço:
Mande-me abrir, alli, uma cova á vontade,
    Olhe: eu mesmo lh'a meço...

O coveiro é podão, fal-as sempre tão baixas...
    O cão pode lá ir:
Diga ao moço, que tem a pratica das sachas,
    Que m'a venha elle abrir.

E o sineiro que, em vez de dobrar a finados,
    Que toque a Alléluia!
Não me diga orações, que eu não tenho peccados:
    A minha alma é dia!

*A NOUTE DO NOIVADO*

O primeiro conviva, em punho a taça,
Ergueu-se lentamente, e com voz rouca,
Bradou: Amigos! consenti que faça
Uma saude á Morte--a velha louca!

A minha historia é triste e muito pouca!
Eu como vós, sou filho da desgraça,
Amei uma só vez. Que mimo e graça!
Oh que pé andaluz! que olhar, que boca!

Na noute do noivado--ouvi, devassos!
Beijei-a doudamente entre meus braços,
E atirei-a no mar, tremula e nua!

_Ao Excellentissimo Senhor D. Fernando de Lima, sobre o mesmo assumpto_.

CARTA.

Forte co'a vossa promessa
Dura voz se vai alçar;
Não vem como das mais vezes,
Não vem pedir, vem ralhar;

Não he de esteril rabugem
Raiva inutil, que em mim lavra;
Venho brigar, e vencer-vos,
Minha arma he vossa palavra;

São Leis os priscos rifões;
Na mão a Lei me mettestes;
Sei que a ricos não deveis,
Mas a pobre promettestes;

Promettestes, que huma Imprensa
Faria hum faminto farto;
Meu livro, e as vossas promessas
Inda estão no vosso Quarto;

N'UM ALBUM

 

Do soffrimento o archanjo lamentoso
Sobre a face do mundo estende o braço:
Um diadema offertava, e pavoroso:
«Para o que mais soffreu!» gritou no espaço.


Eis logo immensa turba se atropella,
Todos querem ganhar a prenda infausta;
Mas nenhum dos que chegam por obtêl-a
Mostrava a taça da amargura exhausta.


«Afastae-vos!» lhes brada o genio esquivo,
«Nenhum tocou do soffrimento a meta:
«Tu, só tu mereceste o premio altivo;
«Ergue a fronte, corôa-te, poeta!»

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