VISÃO DO RESGATE
Autor: Soares de Passos on Monday, 24 December 2012
_A Amadeu de Freitas_
«Muito vence quem se vence
Muito diz quem não diz tudo,
Porque a um discreto pertence
A tempo fazer-se mudo.»
(_Copla do Infante D. Luiz_.)
Sob este céu creador
De manhã vergiliana,
Apetece ser pastor
E tocar frauta de cana;
Não, pastor d'autos d'amor,
D'eclogas frias e velhas,
Mas verdadeiro pastor
De verdadeiras ovelhas...
Não conhecer o talento
Nem nada do que se ensina.
Esta dôr do entendimento
É peor do que se imagina...
Toca a capello, vou vêl-o
E vejo de toda a côr,
Não doutores de capello,
Mas capellos de doutor.
Coimbra.
Quando eu, feliz! morrer, oiça, Sr. Abbade,
Oiça isto que lhe peço:
Mande-me abrir, alli, uma cova á vontade,
Olhe: eu mesmo lh'a meço...
O coveiro é podão, fal-as sempre tão baixas...
O cão pode lá ir:
Diga ao moço, que tem a pratica das sachas,
Que m'a venha elle abrir.
E o sineiro que, em vez de dobrar a finados,
Que toque a Alléluia!
Não me diga orações, que eu não tenho peccados:
A minha alma é dia!
O primeiro conviva, em punho a taça,
Ergueu-se lentamente, e com voz rouca,
Bradou: Amigos! consenti que faça
Uma saude á Morte--a velha louca!
A minha historia é triste e muito pouca!
Eu como vós, sou filho da desgraça,
Amei uma só vez. Que mimo e graça!
Oh que pé andaluz! que olhar, que boca!
Na noute do noivado--ouvi, devassos!
Beijei-a doudamente entre meus braços,
E atirei-a no mar, tremula e nua!
CARTA.
Forte co'a vossa promessa
Dura voz se vai alçar;
Não vem como das mais vezes,
Não vem pedir, vem ralhar;
Não he de esteril rabugem
Raiva inutil, que em mim lavra;
Venho brigar, e vencer-vos,
Minha arma he vossa palavra;
São Leis os priscos rifões;
Na mão a Lei me mettestes;
Sei que a ricos não deveis,
Mas a pobre promettestes;
Promettestes, que huma Imprensa
Faria hum faminto farto;
Meu livro, e as vossas promessas
Inda estão no vosso Quarto;
Do soffrimento o archanjo lamentoso Sobre a face do mundo estende o braço: Um diadema offertava, e pavoroso: «Para o que mais soffreu!» gritou no espaço. Eis logo immensa turba se atropella, Todos querem ganhar a prenda infausta; Mas nenhum dos que chegam por obtêl-a Mostrava a taça da amargura exhausta. «Afastae-vos!» lhes brada o genio esquivo, «Nenhum tocou do soffrimento a meta: «Tu, só tu mereceste o premio altivo; «Ergue a fronte, corôa-te, poeta!»
Nunca sei como é que se pode achar um poente triste.
Só se é por um poente não ter uma madrugada.
Mas se ele é um poente, como é que ele havia de ser uma madrugada?