Geral

O NOSSO LAR

_A Antonio Arroyo_

«Sonhar a vida é apenas entretel-a.
Partamos della para nós, senão
Lá vae o coração para uma estrella
E fica a gente sem o coração!»

_GUEDES TEIXEIRA_. _Esperança Nossa_

Quem vir--como eu os vejo--decorrer
Annos e annos duma vida rasa
Em miseraveis quartos d'aluguer,

Frios no inverno e no estío em braza,
--A um amôr sonhado de mulher
Allía sempre o sonho duma casa...

O aspecto duma casa raro mente,
A côr, as linhas duma frontaria
Dão logo a perceber nitidamente,

*A Vida*

Ó grandes olhos outomnaes! mysticas luzes!
Mais tristes do que o amor, solemnes como as cruzes!
Ó olhos pretos! olhos pretos! olhos cor
Da capa d'Hamlet, das gangrenas do Senhor!
Ó olhos negros como noites, como poços!
Ó fontes de luar, n'um corpo todo ossos!
Ó puros como o céu! ó tristes como levas
De degredados!

    Ó Quarta-feira de Trevas!

FRAGMENTO

..........................................

    Deixal-o: os olhos fecho á luz e quero...
    Quero-te, oh sonho, se és doirado e lindo:
    Mais que a teus fachos, pedagogo austero!
    Que me condemnas em chorando e rindo.
    Sempre olhos fundos, sempre esse ar severo...
    Razão! não te amo; mas a ti, bemvindo,
    Tu que os conselhos nunca, amor! lhe tomas;
    Dás luz á lua, dás á rosa aromas.

*MISERIA OCCULTA*

Bate nos vidros a aurora,
Vem depois a noute escura;
E o pobre astro que ali móra,
Não abandona a costura!

Para uns a vida é d'abrolhos!
Para outros mouta de lyrios!
Bem o revelam seus olhos,
Pisados pelos martyrios!

Miseria afugenta tudo!
Miseria tem dons funestos!
Quem é que gaba o velludo
D'aquelles olhos honestos!...

Ninguem seus olhos brilhantes
Descobre n'essas alturas...
E aquellas formas tão puras,
E aquellas mãos elegantes!

TOADA PARA AS MÃES ACALENTAREM OS FILHOS

_A Bertha Cayolla Gil Vianna_, minha sobrinha

Oh Desgraça! vae-te embora,
Que esta linda criancinha
Andou no meu ventre e agora
Trago-a nos braços. É minha!...

Do berço, segue-me os passos;
Onde eu vou, seus olhos vão...
E quando a aperto nos braços
--Abraço o meu coração.

Quando o seu chôro receio,
Embalo-a, faço que acceite
A alegria do meu seio
Na brancura do meu leite...

*Ballada do Caixão*

O meu vizinho é carpinteiro,
Algibebe de Dona Morte:
Ponteia e coze, o dia inteiro,
Fatos de pau de toda a sorte:
Mogno, debruados de velludo
Flandres gentil, pinho do Norte...
Ora eu que trago um sobretudo
Que já me vae a aborrecer,
Fui-me lá, hontem: (era Entrudo,
Havia immenso que fazer!...)
--Olá, bom homem! quero um fato,
Tem que me sirva?--Vamos ver...
Olhou, mexeu na caza toda...
--Eis aqui um e bem barato.

HERESTA

Que magua ou que receio
    Dos olhos te desata
    Aljofares de prata
    No jaspe do teu seio?

    Bem intima ser deve
    A pena que te opprime,
    Flôr tenra como o vime,
    Flôr pura como a neve!

    --Compunge-te isso, dóe-te
    Vêr esmaltando o calix
    Da erma flôr dos valles
    O balsamo da noite?

    Se aos olhos nos affluem
    As lagrimas, parece
    Que a dôr nos adormece,
    E as maguas diminuem.

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