Geral

*Desditosa cecem!*

      Pobre flôr, que se estiola
      Na vertente da montanha,
      Ninguem aqui te consola
      Fria sombra te acompanha.

      Commoção que te desola!
      Uma peçonhenta aranha
      Sobre a nitida corolla
      A sua rede emmaranha!

      Quem te lançou no degredo
      D'este acerbo pavimento
      Para te olvidar tão cêdo?

      --A meus paes fugi mesquinha
      Fugi nas azas do vento
      Triste sorte foi a minha!...

Não Ser

Quem me dera voltar à inocência
Das coisas brutas, sãs, inanimadas,
Despir o vão orgulho, a incoerência:
- Mantos rotos de estátuas mutiladas!

Ah! arrancar às carnes laceradas
Seu mísero segredo de consciência!
Ah! poder ser apenas florescência
De astros em puras noites deslumbradas!

Ser nostálgico choupo ao entardecer,
De ramos graves, plácidos, absortos
Na mágica tarefa de viver!

Ser haste, seiva, ramaria inquieta,
Erguer ao sol o coração dos mortos
Na urna de oiro duma flor aberta!...

A Rosa

Tu, flor de Vénus,
Corada Rosa,
Leda, fragrante,
Pura, mimosa,

Tu, que envergonhas
As outras flores,
Tens menos graça
Que os meus amores.

Tanto ao diurno
Sol coruscante
Cede a nocturna
Lua inconstante,

Quanto a Marília
Té na pureza
Tu, que és o mimo
Da Natureza.

O buliçoso,
Cândido Amor
Pôs-lhe nas faces
Mais viva cor;

Tu tens agudos
Cruéis espinhos,
Ela suaves
Brandos carinhos;

O Teu Olhar

O Teu OlharPassam no teu olhar nobres cortejos,
Frotas, pendões ao vento sobranceiros,
Lindos versos de antigos romanceiros,
Céus do Oriente, em brasa, como beijos,

Mares onde não cabem teus desejos;
Passam no teu olhar mundos inteiros,
Todo um povo de heróis e marinheiros,
Lanças nuas em rútilos lampejos;

Passam lendas e sonhos e milagres!
Passa a Índia, a visão do Infante em Sagres,
Em centelhas de crença e de certeza!

Mas porque sôa o vento?--Está deserto

Mas porque sôa o vento?--Está deserto,
Silencioso ainda o sacro templo:
Nenhuma voz humana ainda recorda
Os hymnos do Senhor. A natureza
Foi a primeira em celebrar seu nome
Neste dia de lucto e de saudade!
Trévas da quarta feira eu vos saúdo!
Negras paredes, mudos monumentos
De todas essas orações de mágua,
De gratidão, de susto ou de esperança,
Depositadas ante vós nos dias
De fervorosa crença, a vós que enlucta
A solidão e o dó, venho eu saudar-vos.
A loucura da cruz não morreu toda

PRESENTIMENTOS

      Eu bem sei que devia
      Causar-te muito dó,
      Em noite tão sombria
      Vêres-me aqui tão só!...

      Nem sei que sol m'alegra!
      A sós com a minha cruz,
      Sou como a nuvem negra
      Que encerra muita luz!...

      Como arvore sombria
      Vergada sobre um val,
      Assim vivo hoje em dia
      Á sombra do Ideal...

      Que eu tenho muita fome
      De Justiça e d'Amor,
      E aqui não ha quem tome
      A serio a minha dôr...

Sonho de nupcias

Eu punha no teu labio a nota quente
A musica vibrante dos desejos,
Poisava-te no collo branco, ardente,
O poema rendilhado dos meus beijos.

Ao intimo contacto d'esses beijos,
Erguia-se em volutas de serpente
A curva delicada, alvinitente,
Das tuas fórmas, tremulas de pejos.

Senti então, allucinado e mudo,
O élo dos teus braços de velludo
Cingir-me contra a carne feiticeira.

E sobre o veu de gaze delicado,
Murchavam na capella do noivado
Os albentes botões da laranjeira...

GRAÇA POSTHUMA

Depois da tua morte eu heide ver se arranco,
N'uma noite serena, ao teu berço final,
Um producto mimoso;--um grande lyrio branco
Da alvura do teu collo eburneo e divinal!

Aquella flôr suave, ó minha visão estherica,
Debruçada gentil, na taça em que a puzer,
Fazer-me-ha lembrar a graça cadaverica
Do teu corpo franzino e ethereo de mulher!

*Os Cavalleiros*

--Onde vaes tu, cavalleiro,
Pela noite sem luar?
Diz o vento viajeiro,
Ao lado d'elle a ventar...
Não responde o cavalleiro,
Que vae absorto a scismar.
--Onde vaes tu, torna o vento,
N'esse doido galopar?
Vaes bater a algum convento?
Eu ensino-te a rezar.
E a lua surge, um momento,
A lua, convento do Ar.
--Vaes levar uma mensagem?
Dá-m'a que eu vou-t'a entregar:
Irás em meia viagem
E eu já de volta hei-de estar.
E o cavalleiro, á passagem,
Faz as arvores vergar.

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