O NOIVADO DO SEPULCHRO
Autor: Soares de Passos on Sunday, 11 November 2012
Não te esqueço, florinha humilde e bella
Que tornas a campina um firmamento,
Innocente, sublime bagatella,
Joia viva, risonho monumento.
Não sei que poesia encontro n'ella,
Que instilla em roda ethereo, vago alento
Tão breve, tão discreta, tão singela,
Qual pyrilampo, o nitido portento.
N'essa titilação fosforescente,
Lagrima-esmalte da urze tão subtil,
Abrandas as escarpas da torrente
Oh sim!--rude amador de antigos sonhos,
Irei pedir aos tumulos dos velhos
Religioso enthusiasmo, e canto novo
Hei-de tecer, que os homens do futuro
Entenderão; um canto escarnecido
Pelos filhos dest' epocha mesquinha,
Em que vim peregrino a ver o mundo.
E chegar a meu termo, e reclinar-me
Á branda sombra de cypreste amigo.
Materia ou Força, Lei ou Divindade
Quem quer que seja que dirige o mundo,
Esparze em tudo o espirito fecundo
Do Summo Bem--Belleza, Amôr, Verdade.
Á luz d'esta Santissima Trindade,
Cercado d'esplendor, clamo e jucundo,
Sorri-me em volta o universo; ao fundo,
Por synthese Suprema, a Humanidade!
Dos homens rujam temporaes medonhos...
Que em mim, no meu labôr, do Bem sedento,
Meus dias correm limpidos, risonhos!
O mundo oscilla
(Luthero)
Os deuses ou são mortos ou caídos,
Quaes duros aldeões dormindo as sestas,
Ou andam pelos astros perseguidos
Chorando os velhos tempos das florestas,
Os reis ressonam nas devassas festas:
Já os fructos do Mal estão crescidos:
Ó Sol, ha muito que tu já nos crestas!
E aos nossos ais o Ceu não tem ouvidos!
Ha muito já que o Olympo está vazio,
E no seio d'um astro immenso e frio
É morto o Deus do Testamento Velho.
Eu vi passar, além, vogando sobre os mares
O cadaver d'Ophelia: a espuma da voragem
E as algas naturaes, serviam de roupagem
Á triste apparição das noites seculares!
Seguia tristemente ás regiões polares
Nos limos das marés; e a rija cartilagem
Sustinha-lhe tremendo aos halitos da aragem,
No peito carcomido, uns grandes nenuphares!
Oh! lembro-me que tu, minha alma, em certos dias
Sorriste já, tambem, nas vagas harmonias
Das cousas ideaes! mas hoje á luz mortiça
As illusões semelham-se a um collar
De perolas alvissimas, de espuma.
Se o fio que as segura se quebrar,
Cahem no chão, dispersas, uma a uma.
Cahem no chão, dispersas, uma a uma,
Se o fio que as segura se quebrar;
Mas entre tantas sempre fica alguma,
Sempre alguma suspensa ha de ficar.
D'as minhas illusões, dos meus affectos,
Longo collar de amores predilectos,
Muitos rolaram já no pó tambem.
Que noite de inverno! Que frio, que frio!
Gelou meu carvão:
Mas boto-o á lareira, tal qual pelo estio,
Faz sol de verão!
Nasci, n'um Reino d'Oiro e flores
Á beira-mar.
Ó velha Carlota, tivesse-te ao lado,
Contavas-me historias:
Assim... desenterro, do val do passado,
As minhas Memorias.
Sou neto de Navegadores,
Heroes, Lobos d'agoa, Senhores
Da India, d'Aquém e d'Além-mar!
Patria! a Patria! dá rebate e chama,
Chama por todos nós.
Ha uma corrente electrica que inflamma
Os netos e os avós!
Irrompe a multidão a afiar a espada
Do combate leal,
No pedestal da Estatua immaculada
No eterno pedestal,
E vae cobrir de lucto a grande Imagem
Do heroico luctador,
Como um protesto contra a villanagem
Do estrangeiro rancor!
Pintão, Marilia, os Poetas
A hum menino vendado,
Com huma aljava de settas,
Arco empunhado na mão:
Ligeiras azas nos hombros,
O tenro corpo despido;
E de Amor, ou de Cupido
São os nomes que lhe dão.
Porém eu, Marilia, nego,
Que assim seja Amor; pois elle
Nem he moço, nem he cégo,
Nem settas, nem azas tem,
Ora pois, eu vou formar-lhe
Hum retrato mais perfeito,
Que elle já ferio meu peito;
Por isso o conheço bem.