O OUTOMNO
Autor: Soares de Passos on Saturday, 10 November 2012
Se os Versos, que outra ora fiz
Escutastes prompto, e attento;
E se aos pés, que abraçar quiz,
Achou grato acolhimento
A minha Muza infeliz;
Dai-me benignos ouvidos
A outros, em dôr traçados,
D'arte, e de enfeite despidos;
Pela verdade dictados,
E a vós, Senhor, dirigidos;
Em louvores não os fundo,
Pois sei que sempre os pizastes;
E co'as mais acções confundo
As do tempo, em que tomastes
As rédeas do Novo Mundo;
A charanga transuda uma _gavotte_:
Dois caturras discutem acirrados,
E com bengalas corneas d'estoque
Vibram politica em medonhos brados;
Um coronel solemne, um D. Quichotte
Exige a continencia d'uns soldados,
E trauteando a polka da Mascotte
Giram damas a passos alquebrados;
As _lorettes_ com artes de raposa
Perseguem os alferes; conjecturo
Que não seja talvez p'ra boa cousa.
Tibio o sol entre as nuvens do occidente,
Já lá se inclina ao mar. Grave e solemne
Vai a hora da tarde!--O oeste passa
Mudo nos troncos da alameda antiga,
Que á voz da primavera os gomos brota:
O oeste passa mudo, e cruza o atrio
Ponteagudo do templo, edificado
Por mãos duras de avós, em monumento
De uma herança de fé, que nos legaram,
A nós seus netos, homens de alto esforço,
Que nos rimos da herança, e que insultamos
A cruz e o templo e a crença de outras eras;
Nós, homens fortes, servos de tyrannos,
Para um homem que aspira
Ao ideal da Belleza,
Não ha maior tristeza,
Magua maior não ha,
Que vêr escurecer-se-lhe
O ceu da noite escura
D'alguma ideia impura,
D'alguma paixão má!
Paixão que muitas vezes
A luz da nossa Ideia
Accende, inflama, atêa,
E depois nos attrae
Com tanto magnetismo,
Com tal encantamento,
Que o homem n'um momento
Vacilla, cega e cae!...
Vous prêtres! qui murmurez, vous portez ses signes sur tout votre
corps: «votre tonsure» est le disque du «soleil,» votre «étole» est
son zodiaque, vos «chapelets» sont l'embléme des astres et des
planétes.
VOLNEY (LES RUINES)
Eu poucas vezes canto os casos melancolicos,
Os lethargos gentis, os extasis bucolicos
E as desditas crueis do proprio coração;
Mas não celebro o vicio e odeio o desalinho
Da muza sem pudor que mostra no caminho
A liga á multidão.
A sagrada poesia, a peregrina eterna,
Ouvi dizer que soffre uma affecção moderna,
Uns fastios sem nome, uns tedios ideaes;
Que ensaia, presumida, o gesto romanesco
E, vaidosa de si, no collo eburneo e fresco,
Põe crémes triviaes!
Sahi um dia a contemplar o mundo,
Por vêr quanto ha de bello e quanto brilha
Na multipla e gloriosa maravilha,
Que anda suspensa em o azul profundo!
Vi montes, vales, arvores e flôres,
Limpidas aguas, múrmuras torrentes,
Do grande mar as musicas plangentes,
Dos céus sem fim os trémulos fulgôres!
Trouxe os olhos tão ricos de belleza,
O coração tão cheio de harmonia,
De quanto havia em terra, mar e céos,
Não vão pensar que a minha musa seja
Alguma apparição allucinante
De olhar azul e labios de cereja,
Diadema d'oiro e espada flammejante.
A musa protectora d'estes versos
Detesta a rima altiva dos pamphletos,
Educa-me em principios bem diversos:
--Lê-me Petrarcha, o mestre dos sonetos.
Não me ensina a cantar imprecações
Contra as torpes gangrenas mundanaes,
Inspira-me sómente estas canções
Que vos fallam d'amor--e nada mais.
Num vozear estridulo e vibrante,
Irrompe a multidão:
Palpita como um hymno triumphante,
Em cada coração.
Vem pagar uma divida sagrada,
E, em francas ovações,
Junto á Estatua de bronze immaculada,
Victoría Camões.
Três seculos havia, a morte escura
Fulminara esse heroe,
Que até na doce paz da sepultura
Tão desgraçado foi!
Três seculos havia. Inenarravel,
Essa agonia atrós:
No catre do hospital, inexoravel,
A Morte, o duro algoz.