Geral
A Flor
Autor: André Claro on Sunday, 31 December 2017
Tinha uma flor na trinca da terra seca
parecia trote ou mentira
o que lá for seja
mas uma flor ali tinha
apesar do sol
apesar de só
fora parida
ou plantada?
tinha um ar circunspecto
parecia ainda viva
de longe, uma miragem
de perto, um milagre
mas ninguém ousou arrancá-la
sequer tocá-la
mil selfies tiradas
mais tarde, um milhão de curtidas
nenhuma gota d’água
Linhas Prosaicas Sobre o Desvairo dos Corações Partidos
Autor: André Claro on Wednesday, 27 December 2017
Antes de tudo, não sei o que escrevo
de toda forma, essas linhas prosaicas
dirão, sem mais para o momento,
que em meu nome deixo desobrigados
ao turvo caldo das mãos lavadas
isso bem à tarde ou à noitinha
significa que não se precisa trabalhar
amar é imprescindível
mas desobrigados estão de sonegarem
a própria estafa ou fadiga
não precisam fingir bons amantes
tanto faz fadigados ou estafados
essas duas denominações são irrelevantes
o que conta é a mera concupiscência deslavada
do amor deixado para trás
como um rito conspurcado
Feliz Natal
Autor: Paulo Fernandes on Saturday, 23 December 2017A Velha Estação do Trem do Tempo
Autor: André Claro on Saturday, 23 December 2017A estação não é a mesma estação sua
não há mais a luz pálida
dos postes de madeira nua
nem aquela tenra teimosia corada
ou esperteza meia-cura
dá até medo, pois parece
que tudo advindo é um presságio
tão rápido o agora perece
quanto um trem ágil
que do descarrilhado futuro já vem embalado
que passa por onde é passado
e vamos ensimesmados tão, tão
só vendo pela janela quimeras
Bruto é
Autor: André Claro on Tuesday, 19 December 2017
Bruto é o sol nas tuas costas,
o desejo sem pronúncia,
o amor sem resposta,
o peso da culpa
bruto é lhe darem as costas,
o seu arrependimento sem renúncia,
a má resposta do amor
sem desculpa alguma.
Pássaros Azulados
Autor: André Claro on Sunday, 17 December 2017
Uma revoada agora me alembra
rodeia de vislumbres minha cabeça
são grandes pássaros azulados
não mais da cor da minha meia
tempinho bom pra vida inteira
um esconde-esconde pelo quarteirão
um futebol de botão
no estrelão de madeira
quem dera que o que tenho de amor
tivesse toda aquela pureza
sem querer que o vermelho da cor
fosse o mesmo da cor vermelha
pois o que era o azul daqueles pássaros
senão recortes no azul celeste
só um condimento pueril e fávaro
no azul do céu, negras silhuetas rupestres
por isso preciso de um bocado
O Cântico e o Pranto
Autor: André Claro on Friday, 15 December 2017
Sempre se exigia um cântico
de alegria ou pureza
nunca se aceitava o pranto
da dor longeva
era fácil agradar a todos
já que suas indumentárias
estampavam uns nos outros
o farto e caricato bonifácio
de verdade mesmo,
nenhuma letra escarlate
ainda mais sob seus toldos
encobrindo suas espertezas
tanto que não tardou
a se popularizar, à revelia,
a castidade, o pudor
e, elementar, a hipocrisia.
Medo de Altura
Autor: André Claro on Wednesday, 13 December 2017
Tenho medo de altura
acho que é por isso que ando
sempre com o pé atrás
vai que eu olhe tudo por cima
vai que me joguem para baixo.
Verso Inconcebível
Autor: André Claro on Tuesday, 12 December 2017
Tento escrever à força a poesia
devaneando paisagens, obituários,
amores fugidios
mas verso algum vem — obrigado!
poesia é um vírus incubado
um ato falho dantesco
onde a rima é outorgada
no momento de maior fraqueza
prolifera-se bolidamente
é um ataque às nossas
maiores resistências
aquele que a concebe
é quase sempre o mais frágil
nem tanto o disciplinado, o exigente
por isso abandono minha Lettera 25
desisto do batente
não depende de minha vontade
nem de minha métrica ou ritmo
métrica!
antes de dormir, me perdoo