Amarrado ao Pé da Letra
Autor: André Claro on Thursday, 23 November 2017Sou escravo da palavra, Mesmo se escrevo Tentando dominá-las. Antes de concebidas, Já me ordenam a trabalhar Forçado. Para construir-lhes um poema
Sou escravo da palavra, Mesmo se escrevo Tentando dominá-las. Antes de concebidas, Já me ordenam a trabalhar Forçado. Para construir-lhes um poema
Corvo, corvo negro,
Da cor dos meus cabelos,
Voa para longe
Com o alforje do meu desejo
Deixa-me renunciado
Como quem coisa alguma quer
Nem do inferno
Nem do céu
Como alguém que
Tem coragem de ser
Aquilo que nada é
Um engano, porque se sou
O que não era há pouco,
Mesmo que não queira,
Algo eu me tornei de novo
E a outro desejo serei entregue
Para que o corvo atenda a meu apelo,
Ainda que eu já não leve
A mesma cor nos cabelos.
Olhando-me agora
Como uma peça airosa,
Com cheiro de tulipas, não de rosas.
Oh, parece a Bossa nossa!
Olhando-me onde mesmo?
Nalgum espelho que se esconde?
E outra: não importa também
Se flores, rosa, tulipa, não temos,
Nada.
Só é curioso o que traz essa fragrância
Que me faz espreguiçar de tanta paz.
Mas sei bem onde me vendo estou,
Fingindo o filósofo na encruzilhada
Entre a esquina do teu repouso
Com a rua da minha calma.
Olhando-me agora
Como uma peça desairosa,
Com cheiro de tulipas, não de rosas.
Ah, para, nossa!
O verbo que se vive
É particípio do que nos move.
Até a conjugação de vida
Que se duvida
Do modo de outros homens,
Não se determina só pelo tempo,
Também por suas vozes.
E o que é mais importante
Para as pessoas singulares ou pluralistas
Do que a felicidade?
E para não ser muito adjetivo
Ou sindético, a felicidade plena
É aquela entranhada até os ossos.
E estranha-se quando a tristeza,
Que tem nada de subordinada,
Salta adversativa aos nossos olhos,
Não acha meio de partir,
Fica sintaticamente inamovível
Um furo na parede,
Por onde os outros
Veem a gente
Fazendo coisas
Que só quem está de fora
Surpreende-se.
A melancolia do meu velho
Amigo Atílio,
Que há 20 anos espera
Uma visita do filho.
A dona Marta
Que só fala duas palavras
O tempo inteirinho,
E a enfermeira que me lava
Como seu eu fosse um
Recém-nascido.
Saiba que eu sei que você
Nos espia por esse buraco lírico
Porque prevê e tem medo
De que seu dia chegue cínico.
A vida ensaie seu perecimento,
A morte se apresente saindo dos cueiros,
Assim que você adentrar
Ter sentimento nenhum,
É um abuso para quem
Sedimenta-se no afeto,
Um luxo para os broncos
Que não são afeitos
Nem a um abraço fraterno.
Porque falas, amiga, dos dias cinzentos?
Todo o homem é uma incógnita viagem!
Deixa fluir a sombra que desgosta...
O sol sempre a sorrir também é tédio.
Nem sempre o que não temos é tristeza
e o pranto das nuvens pode ser consolo.
O segredo está na chuva que cai,
no seu chorar cantante, transparente ,
nessa voz que no silêncio chama,
nesse íntimo sentir que tens dentro do peito.
Isa Sousa/2017
O tempo se despoja de minha espera,
Faz troça da minha paciência
Tiquetaqueando, me condena,
Revela-me sua perene onomatopeia.
Aguarda-me sem pressa,
Como quem apenas me observa.
Mas sei que dele dependo,
Que no fim vou carecer de tempo.
O tempo todo de nenhum momento esperado.
O mesmo tempo que me sobra
Apenas quando não o tenho,
Pois se o tenho, ele já me falta.
Tenho pena de todo aquele homem
Que lista em seu compêndio,
Apenas
Um ancoradouro de sonhos,
Um rebocador de desilusões.
Que arquiteta
Um arcabouço de seu dilema
De sobreviver entre o jorro
De desejos — que são por natureza
Privados do ter
E o mérito gozado,
Superficialmente, por medo
De ser.