Geral
Sem o Barulho do Mundo
Autor: André Claro on Saturday, 2 December 2017Sem o barulho do mundo,
Para não falar silêncio,
Ouve-se a fina e persistente
Melodia da chuva noturna.
Se bem que
Alguns ainda a desfortunam,
Levam sua quietude à falência,
Uns com suas carências rugosas,
Outros com suas histerias inconvincentes.
Enquanto isso, são incapazes de notar
A vida escorrendo à surdina,
Sem um só refrão,
Ora para a música da arrebentação infinda,
As ondas num estribilho a divagar,
Ora para a culpa e sua disfonia
Sem nenhum perdão.
A Difícil Arte de Dizer Não
Autor: André Claro on Tuesday, 28 November 2017
Não consegue dizer não, seja lá por medo...
Se diz, a faca da culpa lhe corta o peito,
Se não, o ódio de si lhe pesa as costas,
Tantas as coisas sem poder carregar postas.
Tão simples o não, e nunca dito,
Insiste no sim, que em não se volta contra ele,
Nega-se a não dizer o sim maldito,
Até quando mais se pode e deve.
E mais a si mesmo deve.
É, na verdade, cobrado pelo indébito,
Por tão inapropriadamente se tratar.
E mais vai devendo de tanto se doar.
O Tímido, o Púlpito e o Público
Autor: André Claro on Sunday, 26 November 2017Chegou a hora de me despedir,
De ajeitar meu uniforme âmbar,
Sentir algo mastigando minha garganta.
Não, não estou minguando,
Apenas caminhando ao púlpito do remir.
Cinquenta impiedosos à minha frente,
Minhas pernas puritanas tremulantes,
Tanto menos que minhas mãos indecentes,
A folha de papel convulsionada entre elas,
Denunciando toda minha timidez.
Esqueço tudo o que foi estudado e ensaiado,
Quem era Ana Bolena, Tsé ou Maria Teresa,
Travo uma batalha ignominiosa,
Contra aquela turma de carrascos?
Poder Amar Sem Poder
Autor: André Claro on Saturday, 25 November 2017O Poder de amar até tenho,
Mas isso já não é negócio,
Amo o quanto posso,
Sem precisar que me paguem pra ver.
Agora amo de verdade,
Mesmo se amo sem poder.
Amarrado ao Pé da Letra
Autor: André Claro on Thursday, 23 November 2017Sou escravo da palavra, Mesmo se escrevo Tentando dominá-las. Antes de concebidas, Já me ordenam a trabalhar Forçado. Para construir-lhes um poema
O Corvo Negro e o Desejo
Autor: André Claro on Thursday, 23 November 2017Corvo, corvo negro,
Da cor dos meus cabelos,
Voa para longe
Com o alforje do meu desejo
Deixa-me renunciado
Como quem coisa alguma quer
Nem do inferno
Nem do céu
Como alguém que
Tem coragem de ser
Aquilo que nada é
Um engano, porque se sou
O que não era há pouco,
Mesmo que não queira,
Algo eu me tornei de novo
E a outro desejo serei entregue
Para que o corvo atenda a meu apelo,
Ainda que eu já não leve
A mesma cor nos cabelos.
Poema de Calma e Poema de Raiva
Autor: André Claro on Tuesday, 21 November 2017Olhando-me agora
Como uma peça airosa,
Com cheiro de tulipas, não de rosas.
Oh, parece a Bossa nossa!
Olhando-me onde mesmo?
Nalgum espelho que se esconde?
E outra: não importa também
Se flores, rosa, tulipa, não temos,
Nada.
Só é curioso o que traz essa fragrância
Que me faz espreguiçar de tanta paz.
Mas sei bem onde me vendo estou,
Fingindo o filósofo na encruzilhada
Entre a esquina do teu repouso
Com a rua da minha calma.
Olhando-me agora
Como uma peça desairosa,
Com cheiro de tulipas, não de rosas.
Ah, para, nossa!
Sintaxe da Vida
Autor: André Claro on Saturday, 18 November 2017O verbo que se vive
É particípio do que nos move.
Até a conjugação de vida
Que se duvida
Do modo de outros homens,
Não se determina só pelo tempo,
Também por suas vozes.
E o que é mais importante
Para as pessoas singulares ou pluralistas
Do que a felicidade?
E para não ser muito adjetivo
Ou sindético, a felicidade plena
É aquela entranhada até os ossos.
E estranha-se quando a tristeza,
Que tem nada de subordinada,
Salta adversativa aos nossos olhos,
Não acha meio de partir,
Fica sintaticamente inamovível
Pelo Furo na Parede
Autor: André Claro on Friday, 17 November 2017Um furo na parede,
Por onde os outros
Veem a gente
Fazendo coisas
Que só quem está de fora
Surpreende-se.
A melancolia do meu velho
Amigo Atílio,
Que há 20 anos espera
Uma visita do filho.
A dona Marta
Que só fala duas palavras
O tempo inteirinho,
E a enfermeira que me lava
Como seu eu fosse um
Recém-nascido.
Saiba que eu sei que você
Nos espia por esse buraco lírico
Porque prevê e tem medo
De que seu dia chegue cínico.
A vida ensaie seu perecimento,
A morte se apresente saindo dos cueiros,
Assim que você adentrar