Geral

Tibio o sol entre as nuvens do occidente

Tibio o sol entre as nuvens do occidente,
Já lá se inclina ao mar. Grave e solemne
Vai a hora da tarde!--O oeste passa
Mudo nos troncos da alameda antiga,
Que á voz da primavera os gomos brota:
O oeste passa mudo, e cruza o atrio
Ponteagudo do templo, edificado
Por mãos duras de avós, em monumento
De uma herança de fé, que nos legaram,
A nós seus netos, homens de alto esforço,
Que nos rimos da herança, e que insultamos
A cruz e o templo e a crença de outras eras;
Nós, homens fortes, servos de tyrannos,

CONSCIENCIA

      Para um homem que aspira
      Ao ideal da Belleza,
      Não ha maior tristeza,
      Magua maior não ha,
      Que vêr escurecer-se-lhe
      O ceu da noite escura
      D'alguma ideia impura,
      D'alguma paixão má!

      Paixão que muitas vezes
      A luz da nossa Ideia
      Accende, inflama, atêa,
      E depois nos attrae
      Com tanto magnetismo,
      Com tal encantamento,
      Que o homem n'um momento
      Vacilla, cega e cae!...

HYMNO AO SOL

Vous prêtres! qui murmurez, vous portez ses signes sur tout votre
     corps: «votre tonsure» est le disque du «soleil,» votre «étole» est
     son zodiaque, vos «chapelets» sont l'embléme des astres et des
     planétes.

     VOLNEY (LES RUINES)

Eu poucas vezes canto os casos melancolicos...

Eu poucas vezes canto os casos melancolicos,
Os lethargos gentis, os extasis bucolicos
E as desditas crueis do proprio coração;
Mas não celebro o vicio e odeio o desalinho
Da muza sem pudor que mostra no caminho
A liga á multidão.

A sagrada poesia, a peregrina eterna,
Ouvi dizer que soffre uma affecção moderna,
Uns fastios sem nome, uns tedios ideaes;
Que ensaia, presumida, o gesto romanesco
E, vaidosa de si, no collo eburneo e fresco,
Põe crémes triviaes!

O QUE EU VI

      Sahi um dia a contemplar o mundo,
      Por vêr quanto ha de bello e quanto brilha
      Na multipla e gloriosa maravilha,
      Que anda suspensa em o azul profundo!

      Vi montes, vales, arvores e flôres,
      Limpidas aguas, múrmuras torrentes,
      Do grande mar as musicas plangentes,
      Dos céus sem fim os trémulos fulgôres!

      Trouxe os olhos tão ricos de belleza,
      O coração tão cheio de harmonia,
      De quanto havia em terra, mar e céos,

Profissão de fé

Não vão pensar que a minha musa seja
Alguma apparição allucinante
De olhar azul e labios de cereja,
Diadema d'oiro e espada flammejante.

A musa protectora d'estes versos
Detesta a rima altiva dos pamphletos,
Educa-me em principios bem diversos:
--Lê-me Petrarcha, o mestre dos sonetos.

Não me ensina a cantar imprecações
Contra as torpes gangrenas mundanaes,
Inspira-me sómente estas canções
Que vos fallam d'amor--e nada mais.

I

Num vozear estridulo e vibrante,
    Irrompe a multidão:
Palpita como um hymno triumphante,
    Em cada coração.

Vem pagar uma divida sagrada,
    E, em francas ovações,
Junto á Estatua de bronze immaculada,
    Victoría Camões.

Três seculos havia, a morte escura
    Fulminara esse heroe,
Que até na doce paz da sepultura
    Tão desgraçado foi!

Três seculos havia. Inenarravel,
    Essa agonia atrós:
No catre do hospital, inexoravel,
    A Morte, o duro algoz.

LYRA I.

Eu, Marilia, não sou algum vaqueiro,
Que viva de guardar alheio gado,
De tosco trato, de expressões grosseiro,
Dos frios gelos, e dos sóes queimado.
Tenho proprio casal, e nelle assisto;
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite,
Das brancas ovelhinas tiro o leite,
E mais as finas lãs, de que me visto.
    Graças, Marilia bella,
    Graças á minha Estrella!

DUAS ROSAS

Que bonita, meu amor!
    Que perfeita, que formosa!
    A ti pozeram-te Rosa,
    Não te fizeram favor.
    A rosa, quem ha que a veja
    Bandeando, sem gostar?
    Mas por mais linda que seja
    A rosa, quando se embala,
    Não te ganha nem iguala
    A ti em indo a andar.

Pages