Geral

Hino à Beleza

Vens do fundo do céu ou do abismo, ó sublime
Beleza? Teu olhar, que é divino e infernal,
Verte confusamente o benefício e o crime,
E por isso se diz que do vinho és rival.

Em teus olhos reténs uma aurora e um ocaso;
Tens mais perfumes que uma noite tempestuosa;
Teus beijos são um filtro e tua boca um vaso
Que tornam fraco o herói e a criança corajosa.

Cegueira Bendita

Ando perdida nestes sonhos verdes
De ter nascido e não saber quem sou,
Ando ceguinha a tatear paredes
E nem ao menos sei quem me cegou!

Não vejo nada, tudo é morto e vago...
E a minha alma cega, ao abandono
Faz-me lembrar o nenúfar dum lago
´Stendendo as asas brancas cor do sonho...

Ter dentro d´alma na luz de todo o mundo
E não ver nada nesse mar sem fundo,
Poetas meus irmãos, que triste sorte!...

Á HUMANIDADE

Estrellas que rolaes no espaço ethereo
      N'um vertice de luz vertiginoso,
      E em numero sem conta e sem repouso,
      De Deus cumpris altissimo mysterio!

      E vós flôres gentis, purpureas rosas,
      Roxas violetas, candidas boninas,
      Que abris, tomando formas peregrinas,
      Á luz do Sol as petalas mimosas:

                  Commigo erguendo a vóz
                  Ao throno da Verdade,
                  Saudae a Humanidade,
                  Que é mãe de todos nós!

Ritornello

(A ALBERTO REGO)

I

Doce era a voz do velho: o som do Nablo

Doce era a voz do velho: o som do Nablo
Sonoro: o céu sereno: clara a terra
Pelo brando fulgor do astro da noite:
E o propheta parou. Erguidos tinha
Os olhos para o céu, onde buscava
Um raio de esperança e de conforto:
E elle calára já, e ainda os ecchos,
Entre as ruinas sussurrando, ao longe
Íam os sons levar de seus queixumes.

Senhor Doutor

Não ha quem endoide as moças
        Como os olhos d'um doutor.
                (_Cantiga coimbrã_).

Houve na aldeia viva sensação
Ao regressar o filho do morgado,
Que fôra para Coimbra de calção
E vinha agora bacharel formado.

Vae longe, olé, bradava o vozeirão
Do abbade. É só fazel-o deputado.
E as moças entre si: Que rapagão!...
... Doutor, tão novo... Deus seja louvado...

Chegou a casa e n'esse mesmo dia,
Foi visitar radioso de alegria
A filha da velhota que o creou.

Eu quizera depois das lutas acabadas...

Eu quizera depois das lutas acabadas,
Na paz dos vegetaes adormecer um dia
E nunca mais volver da santa lethargia,
Meu corpo dando em pasto ás plantas delicadas!

Seria bello ouvir nas moutas perfumadas,
Emquanto a mesma seiva em mim tambem corria,
As sãas vegetações, em intima harmonia,
Aos troncos enlaçando as lividas ossadas!

Ó belleza fatal que ha tanto tempo gabo:
Se eu volvesse depois feito em jasmins do Cabo,
--Gentil metamorphose em que n'esta hora penso;--

*O BUDA*

(De Catullo Mendés)

O Budha scisma, as mãos sobre os artelhos.

Aquelle então que ouvira os seus conselhos
Diz:--Mestre! os que não foram resgatados
Do Mal, são como uns ceus anuviados!
Aos povos que d'aqui moram distantes,
Para que a Lei não errem, ignorantes,
Consente que affrontando os soes e os frios,
Montes, rochas, passando a nado os rios,
Teu grande dogma, ó Mestre, eu vá prégando!...

--Mas se elles, corta o Budha venerando,
Te insultarem, eleito! que dirás?

Sê Altivo!

Altos pinheiros septuagenarios
E ainda empertigados sobre a serra!
Sois os Enviados-extraordinarios,
Embaixadores d'El-Rey Pan, na Terra.

A noite, sob aquelles lampadarios,
Conferenciaes com elle... Ha paz? Ha guerra?
E tomam notas vossos secretarios,
Que o _Livro Verde_ secular encerra.

Hirtos e altos, Tayllerands dos montes!
Tendes a linha, não vergaes as frontes
Na exigencia da côrte, ou beija-mão!

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