o ócio faz-me refletir sobre os lugares que percorri para anestesiar a solidão; para suster as minhas ânsias pungentes; para olvidar os deveres que assumi; para erguer um viaduto que me transportasse a um utópico paraíso.
amplio as figurações ínsitas na memória para distinguir a minha existência fugaz; para perfurar o mundo que me torneia e revolver os seus valores estagnados; para transgredir as suas regras arcaicas e subverter a poesia.
granjeio a harmonia após os desaires emocionais que sofri; após esgaravatar a inconsciência para descobrir o seu filão; após trautear canções amorosas nos lugares híbridos que frequentei; após reconstituir a minha vida com juízo e com brio.
os golpes profundos são estimulados pela invídia: ela inventa pretextos para infringir a decência; tonifica os conflitos para obter satisfações permanentes; introduz-se no convívio para dilatar a falsidade.
suportei a truculencia nas ruas ásperas da vida; nos vocábulos que abrangeram o ciúme dos perversores; nas máculas que dispus na balança dos fracassos; nas mensagens contundentes que assimilei.
luto contra o vento quando me submeto à inquirição mundana; ou quando percorro os labirintos da agonia; ou quando ascendo as escarpas da liberdade; ou quando alcanço o estatuto de poeta sem grei.
morremos em vida quando nos impõem uma sociedade sem ordem e sem brilho; sem os claustros onde se reza contra a desventura; sem os perspicazes versos dos trovadores.
interpreto os meus bailados através de versos que menosprezam as dádivas mundanas e as suas celebradas tradições; através de conceitos transcendentes que revogam as minhas supérfluas agonias; através de quimeras que imponho à rotina das pessoas.
desdobro a minha existência em múltiplas fases: as lágrimas emergem do inicial estatuto de sofredor; a perseverança desagua numa pose austera que gera introspeção; as palestras versam a sublime liberdade.
analiso as estaladas que sofri para perceber a sua influência no meu temperamento; na minha postura intelectual; nos vestígios da minha ambição; nos relatos que enxergam o clarão da poesia.