O dia sobra muito
e a rotina petrifica a evolução.
Carros passam, enxurrada lava
as calçadas, sons se repetem,
ecos de uma memória perpétua.
A fadiga torna o marasmo
um lugar de exílio.
É fácil brincar de esconde-esconde com a monotonia
que se fez morada nas folhas caídas do meu quintal.
Enquanto segue a fio o céu de estio,
lobos caçam.
Farejam o sangue e salivam com suas
línguas ferinas expostas.
Buscam em suas presas, pedaços de vidas para preencher o vazio
deixado pelo esmo.
Quero ouvir-me na tua boca.
Quero ter por língua a tua voz por escrever!
Se não o dissemos quase não chegou a existir!
O que não dizemos não faz falta!
Mesmo os nossos nomes...
Teus olhos entristecem
Nem ouves o que digo.
Dormem, sonham esquecem...
Não me ouves, e prossigo.
Digo o que já, de triste,
Te disse tanta vez...
Creio que nunca o ouviste
De tão tua que és.
Olhas-me de repente
De um distante impreciso
Com um olhar ausente.
Começas um sorriso.
recolho da vida a ênfase que busquei nos meandros das minhas inócuas ambições: o empenhamento literário; as reprimendas constantes às sociedades; as crises existenciais que me flagelaram; a impiedade que enxergo na humana condição.
recordo os meus adejos sobre os lugares formosos onde os mitos se difundiam: onde as mágoas retorcidas já não transtornavam o meu destino; onde as dúvidas caloiras já não confundiam as minhas reflexões.
a ordenação que nos rodeia cai na sordidez porque moderniza o desespero das pessoas; porque converte as suas vidas em sustentáculos duma miséria que atordoa; que menospreza a sua sensibilidade.
sou daqueles que investigam a verdade para a expor num mundo constrangido por juízos simulados; por atitudes delirantes onde se topa a miséria e o enfado; onde uma mórbida estrutura nos consegue alienar.
recolho a ternura que me circunda para odorar o mundo através dos meus discursos poéticos; através de conjeturas refutáveis que se engastam nas fúteis sociedades; que escapam à vigilância da trivial compreensão.
oiço praguejar nos locais excêntricos onde os misantrópicos se acoitam; onde contestam o fadário que os consome e os avilta; onde desde há muito que não choram porque as lágrimas abandonaram as suas desalentadas emoções.