A DEBIL
Autor: Cesário Verde on Monday, 7 January 2013
Eu, que sou feio, solido, leal, A ti, que és bella, fragil, assustada, Quero estimar-te, sempre, recatada N'uma existencia honesta, de crystal. Sentado á mesa d'um café devasso, Ao avistar-te, ha pouco, fraca e loura, N'esta Babel tão velha e corruptora, Tive tenções de offerecer-te o braço. E, quando soccorreste um miseravel, Eu, que bebia calices d'absintho, Mandei ir a garrafa, porque sinto Que me tornas prestante, bom, saudavel. «Ella ahi vem!» disse eu para os demais; E puz-me a olhar, véxado e suspirando, O teu corpo que pulsa, alegre e brando, Na frescura dos linhos matinaes. Via-te pela porta envidraçada; E invejava,--talvez que o não suspeites!-- Esse vestido simples, sem enfeites, N'essa cintura tenra, immaculada. Ia passando, a quatro, o patriarcha. Triste eu sahi. Doía-me a cabeça; Uma turba ruidosa, negra, espessa, Voltava das exequias d'um monarcha. Adoravel! Tu muito natural Seguias a pensar no teu bordado; Avultava, n'um largo arborisado, Uma estatua de rei n'um pedestal. Sorriam nos seus trens os titulares; E ao claro sol, guardava-te, no entanto, A tua boa mãe, que te ama tanto, Que não te morrerá sem te casares! Soberbo dia! Impunha-me respeito A limpidez do teu semblante grego; E uma familia, um ninho de socego, Desejava beijar sobre o teu peito. Com elegancia e sem ostentação, Atravessavas branca, esvelta e fina, Uma chusma de padres de batina, E d'altos funccionarios da nação. «Mas se a atropella o povo turbolento! Se fosse, por acaso, alli pisada!» De repente, paraste embaraçada Ao pé d'um numeroso ajuntamento. E eu, que urdia estes faceis esbocetos, Julguei vêr, com a vista de poeta, uma pombinha timida e quieta N'um bando ameaçador de corvos pretos. E foi, então, que eu homem varonil, Quiz dedicar-te a minha pobre vida, A ti, que és tenue, docil, reconhecida, Eu, que sou habil, pratico, viril.
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