VERSOS A *

Eu sou, mulher suave, aquelle antigo louco,
O triste sonhador que o teu olhar cantou,
E que hoje vae sentindo, o sonho, a pouco e pouco,
Fugir como o luar d'um astro que expirou!

Que morra, porque, emfim, bem longo elle tem sido
E tempo é já, talvez, da Morte desposar
O sonho que em minha alma entrou como um bandido
E só da vida sae depois de me roubar!

Eu devera amarral-o á braga do forçado,
Como a Justiça faz aos despreziveis réos,
E lançal-o depois á valla do passado
Aonde o fulminasse a colera dos céos.

O CÃO DO LOUVRE. (_Delavigne_).

Tu que passas, descobre-te! Alli dorme
      O forte que morreu.
Dá ao martyr do Louvre algumas flores;
      Dá pão ao seu lebreu.
Da batalha era o dia. O canhão troa:
E o livre corre á morte, e juncto delle
      O seu cão vai:
A mesma bala ambos feriu: o martyr
Não deploreis: o amigo seu que vive
      Só pranteai!
Tristonho, sobre o forte elle se inclina,
Affagando-o e gemendo; e a ver se acorda
      Põe-se a latir;
E do seu companheiro no combate
Sobre o cadaver sanguinoso o pranto

Apoteose

Mastros quebrados, singro num mar d'Ouro
Dormindo fôgo, incerto, longemente...
Tudo se me igualou num sonho rente,
E em metade de mim hoje só móro...

São tristezas de bronze as que inda choro -
Pilastras mortas, marmores ao Poente...
Lagearam-se-me as ânsias brancamente
Por claustros falsos onde nunca óro...

Desci de mim. Dobrei o manto d'Astro,
Quebrei a taça de cristal e espanto,
Talhei em sombra o Oiro do meu rastro...

Arida palma

    Arida palma
    Tem seu licôr,
    Tem como a alma
    Tem seu amor;
    Tem como a hera
    Tem seu abril,
    Tem como a fera
    Tem seu covil.

    Tem toda a planta
    Que o sol queimou
    Lagrima santa
    Que a orvalhou,
    E o passarinho
    Que hontem nasceu
    Lá tem seu ninho
    Que a mãi lhe deu.

*DE NOUTE*

A João de Deus

Elle vinha da neve, dos trabalhos
Violentos, custosos, da enxada;
Cantando a meia voz pelos atalhos.

A mulher loura, infeliz, resignada,
Cosia junto á luz. O rijo vento
Batia contra a porta mal fechada.

Ao pé havia um Christo, um ramo bento,
E uma estampa da Virgem, colorida,
Cheia de magoa olhando o firmamento.

Uma banca de pinho, mal sustida,
Vacillante nos pés, um candieiro;
Companheiros d'aquella negra vida.

*A Poezia do Outomno*

Noitinha. O sol, qual brigue em chammas, morre
Nos longes d'agoa... Ó tardes de novena!
Tardes de sonho em que a poezia escorre
E os bardos, a sonhar, molham a penna!

Ao longe, os rios de agoas prateadas
Por entre os verdes cannaviaes, esguios,
São como estradas liquidas, e as estradas
Ao luar, parecem verdadeiros rios!

Os choupos nus, tremendo, arripiadinhos,
O chale pedem a quem vae passando...
E nos seus leitos nupciaes, os ninhos,
As lavandiscas noivam piando, piando!

Ao Illustrissimo, e Excelentissimo Senhor Marquez de Marialva

_Ao Illustrissimo, e Excelentissimo Senhor Marquez de Marialva, com quem
se tinha encontrado o A. na Caza em que estava o Embaixador de
Marrocos_.

Na Quinta da Praia clama,
Que lhe tireis a Cadeira
Hum triste, que quarta feira
Comvosco esteve em Moirama:
Se a Estrella, que a Vós o chama,
Não lhe abranda os seus destinos,
Torna para os Marroquinos;
Porque, agoiros por agoiros,
Antes cativo de Moiros,
Do que Mestre de Meninos.

*Vae victis*

(_Struggle for life_)

      Rasga sacrilego a amplidão celeste
      Um milhafre com azas pardacentas
      E a cotovia harmoniosa investe
      Armando as garras torpes e cruentas.

      Negro como o lethargo do cypreste,
      Rosna o vento nas franças macillentas,
      O sol dardeja n'um pallor agreste
      Que enthusiasma as nuvens corpolentas.

      A luz crua p'lo espaço se derrama,
      Engrossam os trovões em alcateia,
      Rutila do corisco a alegre flamma.

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