Há metafísica bastante em não pensar em nada
Autor: Alberto Caeiro on Saturday, 8 December 2012
Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Gozo os campos sem reparar para eles.
Perguntas-me por que os gozo.
Porque os gozo, respondo.
Archanjo vae-te embora: é tarde: em nossas casas
Talvez alguem se afflija; é tão deserta a rua!...
Tu deves sentir frio! Embuça-te nas asas;
Dá saudades á lua.
Um beijo em cada estrella!... Espera que eu sou louco!
Sonhei devo pagar: perdão anjo dos céos!
Agora tem cuidado; o céo escorrega um pouco:
Boas noites adeus!
Hontem dormia á noute--e, eis que desperto
Sacudido d'um vento agudo e forte,
Como um homem tocado pela Morte,
Ou varrido d'um vento do deserto.
Accordei--era Deus, que de mim perto,
Me dizia: Alma sceptica e sem norte!
É preciso que creias e te importe
Adorar o Deus Uno, Eterno, e Certo!
É preciso que a fé cresça em tua alma
Como no inutil saibro a verde palma,
Verme! filho da Duvida--Eis-me aqui!
A UM NUNO
Provando a existencia de Deus a pobres camponezes
Ora a provar que ha Deus, Nuno! isso é teima:
Pois ha alguma ovelha no rebanho
Que não saiba que só a mão suprema
Creava um animal d'esse tamanho!
--Verdes figueiras soluçantes nos caminhos!
Vós sois odiadas desde os seculos avós:
Em vossos galhos nunca as aves fazem ninhos,
Os noivos fogem de se amar ao pé de vós!
--Ó verdes figueiras! ó verdes figueiras
Deixae-o fallar!
Á vossa sombrinha, nas tardes fagueiras,
Que bom que é amar!
--O mundo odeia-vos. Ninguem nos quer, vos ama:
Os paes transmittem pelo sangue esse odio aos moços.
No sitio onde medraes, ha quazi sempre lama
E debruçaes-vos sobre abysmos, sobre poços.
Devo pouco á Natureza,
E muito a hum brinco innocente;
Porque elle me faz parente
Da mais distinta Nobreza.
Embora esquiva riqueza
Pretas fortes me não mande;
Qne importa que ha annos ande
Sempre a perder nas menores,
Se nas dos premios maiores
Me sahio o premio grande.
_No dia dos annos da Illustrissimo, e Excellentissimo Senhor Conde de
Villa Verde, hoje Marquez de Angeja, em cuja caza o Author jantou_.
Senhor, talvez neste dia
Já cantei Versos polidos;
Porém em tectos cahidos
Não mora o Deos da Poezia.
Voou; e da testa fria
Me tirou o verde loiro,
E das mãos a Lyra de oiro;
Tudo em fim se foi co'a bréca;
Mas se a Aganippe se séca,
Não se ha de secar o Doiro.
Accorda a sombra tacita do lago,
Do rouxinol a candida volata;
A lua em chispas tremulas de prata
Imprime ao lesto amor um tom presago.
O vento raro e brando com afago
O tredo esquife languido arrebata
E o transporta subtil, como um pirata,
Dando azas ao terror ignoto, vago.
Suspira na floresta a morna aragem,
As 'strellas trocam beijos delirantes,
Que mais excitam castellã e pagem,