Poema em Linha Reta
Autor: Álvaro de Campos on Tuesday, 11 December 2012Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
Senhor, co'as minhas Poezias
Festejava os annos teus;
Porém mandão já os meus,
Que eu venha co'as mãos vazias;
Geladas madeixas frias
Fechão do Parnazo o passo;
Pois que já o Tempo escaço
Esfriar meus Versos quiz,
Quem me acceitou os que fiz,
Me agradeça os que não faço.
O dono miseravel da locanda
O _brocanteur_ terrivel, sanguinario
Agonisa n'um catre solitario
D'uma alcova minuscula, execranda.
Affinca as mãos convulso n'um rosario,
Ao ceu a vida, supplice, demanda,
N'uma imagem de Christo veneranda
Crava os olhos de abutre, de corsario.
Pois apesar das lagrimas-remorsos
Das victimas do seu medonho trama
Ruins phantasmas de lividos escorços.
Se eu fosse rei, Senhora, n'este dia
O pagem mais gentil da minha côrte,
Como tributo d'amisade, iria
A esses pés miniaturaes depôr-te
Um brinde sem rival, d'alta valia;
Mas sabes bem que não sou rei. De sorte
Que não pode ir, como eu desejaria,
O pagem mais gentil da minha côrte
Offerendar-te joias de valia.
Em vez do brinde, mando todavia
Um ramo de lilazes e cecens.
E pelo pagem loiro, alvinitente,
Mando, Senhora minha, unicamente
Este soneto a dar-te os parabens.
Por esta solidão, que não consente
Nem do sol, nem da lua a claridade,
Ralado o peito pela saudade
Dou mil gemidos a Marília ausente:
De seus crimes a mancha inda recente
Lava Amor, e triunfa da verdade;
A beleza, apesar da falsidade,
Me ocupa o coração, me ocupa a mente:
Lembram-me aqueles olhos tentadores,
Aquelas mãos, aquele riso, aquela
Boca suave, que respira amores...
Dos antigos Titães, o mar,--fera indomavel,
Agora verga o dorso ao peso colossal
Dos novos leviathãs que em bando formidavel,
Nas grandes explosões da colera insondavel,
Já levam de vencida o abysmo e o vendaval!
Elles seguem no mar, altivos no seu rumo,
Em halitos de fogo, á nossa voz fieis,
E como o combatente erguendo a lança a prumo,
Era turbilhões rompendo, as flamulas de fumo
Ostentam sem cessar correndo entre os parceis!
Das ruinas destes bosques
O outomno alastrou o chão:
A selva perdeu seus mimos;
Os rouxinoes mudos são.
No bosque, amigo da infancia,
Triste um joven vagueiava;
Na sua aurora a doença
Para o sepulchro o inclinava.
«Adeus floresta querida!
Vestes lucto por meu fim?
Como te cai folha e folha
A morte me segue assim.
Intima voz, que revela
Seu fado extremo aos mortaes,
Me diz:--vês cahir as folhas?
São essas só: não ha mais!
Hoje de manhã saí muito cedo,
Por ter acordado ainda mais cedo
E não ter nada que quisesse fazer...
Erros meus, má Fortuna, Amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a Fortuna sobejaram,
Que para mim bastava Amor somente.
Tudo passei; mas tenho tão presente
A grande dor das cousas que passaram,
Que já as frequências suas me ensinaram
A desejos deixar de ser contente.
Errei todo o discurso de meus anos;
Dei causa a que a Fortuna castigasse
As minhas mal fundadas esperanças.