Um retrato pintado com a alma é...
Autor: Oscar Wilde on Friday, 23 November 2012Um retrato pintado com a alma é um retrato, não do modelo mas do artista.
Um retrato pintado com a alma é um retrato, não do modelo mas do artista.
A mão na pena, vale a mão na enxada.
Formosura do Céu a nós descida,
Que nenhum coração deixas isento,
Satisfazendo a todo pensamento,
Sem que sejas de algum bem entendida;
Qual língua pode haver tão atrevida,
Que tenha de louvar-te atrevimento,
Pois a parte melhor do entendimento,
No menos que em ti há se vê perdida?
Se em teu valor contemplo a menor parte,
Vendo que abre na terra um paraíso,
Logo o engenho me falta, o espírito míngua.
Não acredito em nada. As minhas crenças
Voaram como voa a pomba mansa,
Pelo azul do ar. E assim fugiram o
As minhas doces crenças de criança.
Fiquei então sem fé; e a toda gente
Eu digo sempre, embora magoada:
Não acredito em Deus e a Virgem Santa
É uma ilusão apenas e mais nada!
Mas avisto os teus olhos, meu amor,
Duma luz suavíssima de dor...
E grito então ao ver esses dois céus:
Tenho assaz conservado o rosto enxuto
Contra as iras do Fado omnipotente;
Assaz contigo, ó Sócrates, na mente,
À dor neguei das queixas o tributo.
Sinto engelhar-se da constância o fruto,
Cai no meu coração nova semente;
Já me não vale um ânimo inocente;
Gritos da Natureza, eu vos escuto!
Jazer mudo entre as garras da Amargura,
D'alma estóica aspirar à vã grandeza,
Quando orgulho não for, será loucura.
Amor é um fogo que arde sem se ver;
É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente;
É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se e contente;
É um cuidar que ganha em se perder;
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Fios d'ouro puxam por mim
A soerguer-me na poeira -
Cada um para o seu fim,
Cada um para o seu norte...
. . . . . . . . . . . . . . .
- Ai que saudade da morte...
. . . . . . . . . . . . . . .
Quero dormir... ancorar...
. . . . . . . . . . . . . . .
Arranquem-me esta grandeza!
- Pra que me sonha a beleza,
Se a não posso transmigrar?...
Mário de Sá-Carneiro, in 'Dispersão'
Calou-se o monge: sepulchral silencio
Á sua voz seguiu-se. Uma toada
De orgam rompeu do côro. Assemelhava
O suspiro saudoso, e os ais de filha,
Que chora solitaria o pae, que dorme
Seu ultimo, profundo e eterno somno.
Melodias depois soltou mais doces
O severo instrumento: e ergueu-se o canto,
O doloroso canto do propheta,
Da patria sobre o fado. Elle, que o vira,
Sentado entre ruinas, contemplando
Seu avito esplendor, seu mal presente,
A quéda lhe chorou. Lá na alta noite,
Quanto é grande o meu Deus!.. Té onde chega
O seu poder immenso!
Elle abaixou os céus, desceu, calcando
Um nevoeiro denso.
Dos cherubins nas asas radiosas
Librando-se, voou;
E sobre turbilhões de rijo vento
O mundo rodeiou.
Ante o olhar do Senhor vacilla a terra,
E os mares assustados
Bramem ao longe, e os montes lançam fumo,
Da sua mão tocados.
Se pensou no Universo, ei-lo patente
Ante a face do Eterno:
Se o quiz, o firmamento os seios abre,
A conversa cahiu no casamento.
E defronte de nós, n'esse momento,
Noivava um par alegre de pardaes.