Dizes-me: tu és mais alguma cousa
Autor: Alberto Caeiro on Friday, 30 November 2012
Dizes-me: tu és mais alguma cousa
Que uma pedra ou uma planta.
Dizes-me: sentes, pensas e sabes
Dizes-me: tu és mais alguma cousa
Que uma pedra ou uma planta.
Dizes-me: sentes, pensas e sabes
Tem sido até agora--o scintillante
	E antigo Sol, amigo da Harmonia,
	Que me tem ensinado, cada dia,
	A desprezar a Morte escura e errante!
	As densas nuvens do porvir distante
	Desdenha-as a sua epica alegria,
	E a sua heroica e sã philosophia
	Nada, até hoje, eguala e é semelhante.
	Decerto, é grato ao soffrimento insano
	Dos tristes, quando surge o _rosto humano_
	_Da lua_, abrandecer o Ceu com ais;
O meu beliche é tal qual o bercinho,
	Onde dormi horas que não vêm mais.
	Dos seus embalos já estou cheiinho:
	Minha velha ama são os vendavaes!
	Uivam os ventos! Fumo, bebo vinho.
	O vapor treme! Abraço a _Biblia_, aos ais...
	Covarde! Que dirá teu Avôzinho,
	Que foi moreante? Que dirão teus Paes?
	Coragem! Considera o que has soffrido,
	O que soffres e o que ainda soffrerás,
	E ve, depois, se accaso é permittido
    Um dia os deuses, cada qual uma arvore,
	    Á sua guarda consagraram: Jupiter
	    Esse o carvalho, a murta Venus, Hercules
	    Lá esse o alemo, e o loureiro Apollo.
	    Vendo-as Minerva todas infructiferas:
	    Que é isto? exclama. Jupiter acode-lhe:
	    Senão, diriam, filha! que as guardavamos
	    Só pelo fructo.--Que me importa digam-no;
	    É pelo fructo que a oliveira escolho.
O destro Cupido hum dia
	Extrahio mimosas cores
	De frescos lyros, e rosas,
	De jasmins, e de outras flores.
	  Com as mais delgadas pennas
	Usa de huma, e de outra tinta,
	E nos angulos do cobre
	A quatro bellezas pinta.
	Por fazer pensar a todos
	No seu lizo centro escreve
	Hum letreiro, que pergunta:
	_Este espaço a quem se deve_?
	  Venus, que vio a pintura,
	E lêo a letra engenhosa,
	Pôz por baixo: _Eu delle cedo;
	Dê-se a Marilia formosa_.
O cego Cupido hum dia
	Com os seus Genios fallava,
	Do modo que lhe restava
	De captivar a Dirceo.
	    Depois de larga disputa,
	Hum dos Genios mais sagazes
	Este conselho lhe dêo:
	  As settas mais aguçadas,
	Como se em roxa batessem,
	Dão nos seus peitos, e descem
	Todas quebradas ao chão.
	    Só as graças de Marilia
	Podem vencer hum tão duro,
	Tão izento coração.
Encheo, minha Marilia, o grande Jove
	De immensos animaes de toda a especie
	    As terras, mais os ares,
	O grande espaço dos salobros rios,
	    Dos negros, fundos mares.
	    Para sua defeza,
	A todos dêo as armas, que convinha;
	    Á sabia Natureza.
Bom Sobral, o que eu te disse
	He, a meu pezar, verdade;
	Sonóros, amenos versos,
	São obra da Mocidade;
	Mandaste que em Crescentini;
	Louvando a doce harmonia,
	O que o Mundo diz em proza,
	Eu lho enfeitasse em Poezia;
	Que invocando as brandas Muzas,
	Encostada ao peito a Lyra;
	Cante os ternos sentimentos,
	Que elle nas almas inspira;
	Môço Sobral, tu ignoras
	Da inerte velhice os damnos;
	Nesta fria testa brigão,
	Co'teu preceito, os meus annos:
Lastimo-vos, ó estrelas infelizes,
	Que sois belas e brilhais tão radiosas,
	Guiando de bom grado o marinheiro aflito,
	Sem recompensa dos deuses ou dos homens:
	Pois não amais, nunca conhecestes o amor!
	Continuamente horas eternas levam
	As vossas rondas pelo vasto céu.
	Que viagem levastes já a cabo!,
	Enquanto eu, entre os braços da amada,
	De vós me esqueço e da meia-noite.
      Tepido sonho de luz
	      corpo, que destila aroma
	      sublime e claro axioma
	      espargindo amor a flux!
	      Uma vertigem produz
	      teu olhar, o seio, a côma,
	      voluptuoso symptoma
	      que a phantasia traduz.
	      Debil flôr, que o sol admira
	      beijando com azedume
	      as estrellas de saphira...
	      mas ninguem sequer presume
	      que o meu coração expira
	      na mortalha do ciume.