Assim como falham as palavras
Autor: Alberto Caeiro on Thursday, 22 November 2012
Assim como falham as palavras quando querem exprimir qualquer pensamento,
Assim falham os pensamentos quando querem exprimir qualquer realidade,
Assim como falham as palavras quando querem exprimir qualquer pensamento,
Assim falham os pensamentos quando querem exprimir qualquer realidade,
Ainsi lirat-il les artiques vérités, les tristes vérités, les
	    grandes, les terribles vèrités.
	    (De Quincey)
	Ha muito, ó lenho triste e consagrado!
	Desfeita podridão, velho madeiro!
	Que tens avassalado o mundo inteiro,
	Como um pendão de luto levantado.
	Se o que foi nos teus braços cravejado
	Foi realmente a Hostia, o Verdadeiro,
	Elle está mais ferido que um guerreiro
	Para livrar das flexas do Peccado.
Meus dias de rapaz, de adolescente,
	Abrem a bocca a bocejar sombrios:
	Deslizam vagarozos, como os rios,
	Succedem-se uns aos outros, egualmente.
	Nunca desperto de manhã, contente.
	Pallido sempre com os labios frios,
	Oro, desfiando os meus rozarios pios...
	Fôra melhor dormir, eternamente!
	Mas não ter eu aspirações vivazes,
	E não ter, como têm os mais rapazes,
	Olhos boiando em sol, labio vermelho!
A tribo que prevê a sina dos viventes
	Levantou arraiaes hoje de madrugada;
	Nos carros, as mulher', c'o a torva filharada
	Às costas ou sugando os mamilos pendentes;
	Ao lado dos carrões, na pedregosa estrada,
	Vão os homens a pé, com armas reluzentes,
	Erguendo para o céu uns olhos indolentes
	Onde já fulgurou muita ilusão amada.
	Na buraca onde está encurralado, o grilo,
	Quando os sente passar, redrobra o meigo trilo;
	Cibela, com amor, traja um verde mais puro,
Eu, Glauceste, não duvido
	Ser a tua Eulina amada
	    Pastora formosa,
	    Pastora engraçada.
	Vejo a sua côr de rosa,
	Vejo o seu olhar divino,
	Vejo os seus purpùreos beiços,
	Vejo o peito crystallino;
	Nem ha cousa, que assemelhe
	Ao crespo cabello louro.
	Ah! que a tua Eulina vale,
	Vale hum immenso thesouro!
    Luz d'intima influencia,
	    Oh fugitiva luz!
	    Luz cuja eterna ausencia
	    É minha eterna cruz.
	    Podessem-te, ainda antes
	    Do meu extremo adeus,
	    Meus olhos fluctuantes
	    Vêr lampejar nos céos.
	    Se ainda n'esse espaço,
	    Tão longe onde tu vás,
	    Visse um reflexo baço
	    Da pura luz que dás;
	    Tornaram-se-me estrellas
	    As lagrimas de dôr;
	    E lagrimas são ellas...
	    Sim, lagrimas d'amor!
Senhor, se vos são acceitos
	Pobres Versos, mal limados,
	Entre vidros, e receitas,
	Em triste leito traçados;
	Se de hum sombrio doente
	A fúnebre poezia
	Os prazeres não perturba
	Deste faustissimo Dia;
	Consenti, que a branda Lyra,
	Por vós outr'ora escutada,
	E que teimoza molestia
	Tem ha muito pendurada;
	Sobre este cansado peito,
	Ferida com debil mão,
	Mande ao Ceo singelos hymnos,
	Nascidos do coração;
      D'um frade libidino e bronzeado
	      Ortego desenhou o rosto bento,
	      Grave ausculta no sexto mandamento
	      Uma joven do seculo passado;
	      Fascinada respira o ar mesclado
	      Das lascivas perguntas de convento,
	      Que se aproveitam do veloz momento
	      Galopando na senda do peccado.
	      A pobre flôr arqueja palpitante
	      Sob esse olhar, que vae como despil-a
	      Mystico, corrompido e triumphante.
E quando de dia a lonjura dos montes
	Azuis atrai a minha saudade,
	E, de noite, as estrelas desmedidas
	Esplendorosas ardem sobre a minha cabeça
	Todos os dias e todas as noites
	Assim celebro o destino do homem:
	Se ele a pensar alcançar sempre o justo,
	Para sempre terá a beleza e a grandeza.