O natural também é uma pose.
Autor: Oscar Wilde on Wednesday, 14 November 2012O natural também é uma pose.
O natural também é uma pose.
Oito dias a pé, as botinas rasgadas
	Nas pedras do caminho: em Charleroi arrio.
	- No Cabaré-Verde: pedi umas torradas
	Na manteiga e presunto, embora meio frio.
	Reconfortado, estendo as pernas sob a mesa
	Verde e me ponho a olhar os ingênuos motivos
	De uma tapeçaria. - E, adorável surpresa,
	Quando a moça de peito enorme e de olhos vivos
	- Essa, não há de ser um beijo que a amedronte! -
	Sorridente me trás as torradas e um monte
	De presunto bem morno, em prato colorido;
Diz-me a tília a cantar: "Eu sou sincera,
	Eu sou isto que vês: o sonho, a graça,
	Deu ao meu corpo, o vento, quando passa,
	Este ar escultural de bayadera...
	E de manhã o sol é uma cratera,
	Uma serpente de oiro que me enlaça...
	Trago nas mãos as mãos da Primavera...
	E é para mim que em noites de desgraça
	Toca o vento Mozart, triste e solene,
	E à minha alma vibrante, posta a nu,
	Diz a chuva sonetos de Verlaine..."
Quem fosse acompanhando juntamente
	Por esses verdes campos a avezinha,
	Que despois de perder um bem que tinha,
	Não sabe mais que cousa é ser contente!
	E quem fosse apartando-se da gente,
	Ela por companheira e por vizinha,
	Me ajudasse a chorar a pena minha,
	E eu a ela também a que ela sente!
	Ditosa ave! que ao menos, se a natura
	A seu primeiro bem não dá segundo,
	Dá-lhe o ser triste a seu contentamento.
Com dura e branda cadeia,
	Com facho activo e suave,
	De seus mistérios co'a chave,
	Amor entre nós volteia:
	Já deprime, já gloreia,
	Já dá morte, já dá vida;
	E nesta incessante lida,
	Que em si traz, que em si contém,
	Com o mal, e com o bem,
	Amor a amor nos convida.
Bocage, in 'Amor a amor nos convida (Décimas sobre verso único)'
Perdi meus fantásticos castelos
	Como névoa distante que se esfuma...
	Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los:
	Quebrei as minhas lanças uma a uma!
	Perdi minhas galeras entre os gelos
	Que se afundaram sobre um mar de bruma...
	- Tantos escolhos! Quem podia vê-los? –
	Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma!
	Perdi a minha taça, o meu anel,
	A minha cota de aço, o meu corcel,
	Perdi meu elmo de ouro e pedrarias...
A NEVE PÔS uma toalha calada sobre tudo.
Não se sente senão o que se passa dentro de casa.
Escrito em 21-5-1917.
A manhã raia. Não: a manhã não raia.
A manhã é uma coisa abstracta, está, não é uma coisa.
A noite escura desce: o sol de todo
	Nos mares se atufou. A luz dos mortos,
	Dos brandões o clarão, fulgura ao longe
	No cruzeiro sómente e em volta da ara:
	E pelas naves começou ruído
	De compassado andar. Fiéis acodem
	Á morada de Deus, a ouvir queixumes
	Do vate de Sião. Em breve os monges,
	Suspirosas canções aos céus erguendo,
	Sua voz unirão á voz desse orgam,
	E os sons e os ecchos reboarão no templo.
	Mudo o côro depois, neste recincto
	Dentro em bem pouco reinará silencio,
Tu, Anjo do Senhor, que accendes o estro;
	Que no espaço entre o abysmo e os céus vagueias,
	D'onde mergulhas no oceano a vista;
	Tu que do trovador á mente arrojas
	Quanto ha nos céus esperançoso e bello,
	Quanto ha no abysmo tenebroso e triste,
	Quanto ha nos mares magestoso e vago,
	Hoje te invoco!--oh vem!--lança em minha alma
	A harmonia celeste e o fogo e o genio,
	Que dêm vida e vigor a um carme pio.