existe um rio subterrâneo que transporta as minhas palavras afetuosas; que submerge os paradigmas sórdidos que descubro fora de mim; que impulsiona a minha sensibilidade para um lugar de brandura.

utilizo palavras que refreiam o meu rancor nas jornadas da vida por causa das mirabolantes atuações dos homens para firmarem os seus egos; por causa dos seus protestos grotescos; por causa das suas incursões ao meu palácio deslumbrante.

foram as palavras que me reabilitaram quando esbanjei a minha mocidade; quando corroí as amarras que me firmavam ao mastro da razão; quando projetei um esquife com as minhas insensatas atuações.

temo as palavras que se anicham nos nossos ouvidos para reconstruirem as barreiras que contornámos; para inverterem os belos sentidos da nossa vida; para fundarem de novo as palestras ultrapassadas que nos atormentaram.

as palavras estão cativas do seu autor porque ele as manipula nas expedições que realiza aos seus ferimentos; porque ele as metamorfoseia para obter resultados surpreendentes; porque ele as revigora no claustro onde habita.

as palavras fogem das labaredas que as rodeiam sempre que intentam conciliar o mundo com os seus argumentos desvelados; com os seus desempenhos apaziguadores; com os seus amplexos envolventes.

vozes
procuro canto
canto
vozes
canto num canto
poesia fria
eu canto palavras que se encontram.

visto palavras
embriagadas num sabado de aleluia
veste teu corpo de poesia
embalada em cores perfumadas nas noites
frias de novembro
não se diz boa noite numa noite fria de novembro
ouço canto.
canto.

as palavras ampliam o seu fulgor nas catacumbas dum ócio organizado; numa esplanada donde se aviste a mais bela praia do mundo; numa cabana franzina e sem ornamentos.

as palavras bulham contra os autómatos que intentam submeter o mundo com as suas dissertações redundantes; com as suas panaceias irrisórias; com as barragens que erguem à sensibilidade da poesia.