A DEBIL
Autor: Cesário Verde on Monday, 7 January 2013
Ha vinte annos já, que andas na Terra,
Ha vinte dias só, que te conheço!
Eu andava perdido pela serra,
E o que eu era então, já não pareço.
Ha vinte dias só que te conheço,
Ó meu beijo de Luz! minha Chymera!
És a Graça de Deus (com qu'estremeço)
Talvez, o que no mundo, inda me espera.
Sonho da minh'alma! Ó meu ceu d'estio!
Pois não tens piedade d'este frio
Que sinto em mim, na minha solidão!
Eu que a levei ao rio,
pensando que era donzela,
porém tinha marido.
Disse eu então: poeta, vês aquelles,
Abraçados, velozes como o vento?
Desejava poder fallar com elles.
--Chamando-os com enternecimento,
Em cá passando mais do nosso lado,
São dois amantes, lograrás o intento.
Assim que o vento os aproxima, brado:
Oh almas d'uma eterna anciedade,
Vinde fallar-me, se vos isso é dado.
Como um casal de pombas, com saudade
Do ninho, vem no ar, d'aza espalmada,
Não mais que por impulso da vontade;
Seria o beijo
Que te pedi,
Dize, a razão
(Outra não vejo)
Porque perdi
Tanta affeição?
Fiz mal, confesso;
Mas esse excesso,
Se o commetti,
Foi por paixão,
Sim, por amor
De quem?... de ti!
Tu pensas, flôr,
Que a mulher basta
Que seja casta,
Unicamente?
Não basta tal.
Cumpre ser boa,
Ser indulgente.
Fiz-te algum mal?
Pois bem: perdôa!
(Nevrose d'um Lord.)
A idéa de teu corpo branco amado,
Belleza esculptural e triumphante,
Persegue-me, mulher, a todo o instante,
--Como o assassino o sangue derramado!
Quando teu corpo pallido, e brijado,
Abandonas ao leito--palpitante,
Quem jámais comtemplou em noute amante,
Tentação mais cruel, tom mais nevado?!
No emtanto--duro, excentrico desejo!
--Quisera as vezes que a dormir te vejo
Tranquilla, branca, inerme, unida a mim....
Quando o cinzento ceu, como pesada tampa,
Carrega sobre nós, e nossa alma atormenta,
E a sua fria cor sobre a terra se estampa,
O dia transformado em noite pardacenta;
Quando se muda a terra em húmida enxovia
D'onde a Esperança, qual morcego espavorido,
Foge, roçando ao muro a sua asa sombria,
Com a cabeça a dar no tecto apodrecido;
Quando a chuva, caíndo a cântaros, parece
D'uma prisão enorme os sinistros varões,
E em nossa mente em frebre a aranha fia e tece,
Com paciente labor, fantásticas visões,
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o tejo não mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o tejo não é o rio que corre pela minha aldeia,
Na tua mão, sombrio cavalleiro, Cavalleiro vestido de armas prêtas, Brilha uma espada, feita de comêtas, Que rasga a escuridão, como um luzeiro. Caminhas no teu curso aventureiro, Todo involto na noite que projectas... Só o gladio de luz com fulvas bétas Emerge do sinistro nevoeiro. --«Se esta espada que empunho é coruscante, (Responde o negro cavalleiro-andante) É porque esta é a espada da Verdade. Firo, mas salvo... Prostro e desbarato, Mas consólo... Subverto, mas resgato... E, sendo a Morte, sou a Liberdade.»