Ontem à tarde um homem das cidades
Autor: Alberto Caeiro on Monday, 31 December 2012
Ontem à tarde um homem das cidades
Falava à porta da estalagem.
Falava comigo também.
Ontem à tarde um homem das cidades
Falava à porta da estalagem.
Falava comigo também.
Léman azul, que, mudo e morto, jazes.
Quanto és feliz! assim podesse eu sel-o!
Nem a sombra dos montes, nem seu gêlo,
De turvar tuas agoas são capazes.
Minhas cartas inuteis de doutor
Eu rasgaria, é certo, com prazer,
Se eu podesse um dia vir a ser
Dessas ondas, um simples pescador.
Léman azul, nas agoas socegadas,
Quantas vidas tu levas confiadas!
Pareces ver meu mal, e escarnecel-o!
A alma sangra
Um sangue sem dor
Um sangue sem cor
_A Mayer Garção_
Descance de quando em quando...
Passar assim toda a tarde
Sempre bordando, bordando,
Sem que um momento desista,
Até faz pena! Não lhe arde
Nem se lhe perturba a vista?...
Descance de quando em quando...
Erga os olhos do bordado
E veja quem vae passando.
O trabalho alegra a gente,
Mas assim, tão aturado,
--Não lhe faz bem certamente.
Tu cujas azas tremulas
O meu olhar tornava;
Cujo trinado harmonico
Meus dias alegrava,
Ai, já não ouves!--Chamo-te,
E é vão este chamar!
Chegou a estação gelida;
Foi para te matar.
Nunca me has-de esquecer! Por bem seis annos,
Companheira leal
Tu me foste, avesinha;
Meiga entre as meigas, desprezando os campos,
Deslembrada da mãe, que, á noite, aninha
No movel cannavial.
Não sei que ha de divino, força é crêl-o
N'esses teus olhos d'uma luz tão pura
Que, ao vêl-os, tive logo por segura
Aquella paz que é meu constante anhelo.
Filha de Deus, nossa alma aspira a vêl-o;
Desprezando caduca formosura,
Ella, em seu giro eterno, só procura
A fórma, o typo universal do bello.
Não póde amar, não deve, uma alma casta
Fugaz belleza, graça transitoria,
Coisa que o tempo leva, o tempo gasta.
Na mortalha alheia não temos mais que fazer
Bernardim Ribeiro.
To die to sleep.
(Shakspeare)
A ti que os meus ais resumes
Estas quadras dolorosas,
Corpo inundado em perfumes,
E de pomadas cheirosas:
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A mim custa-me a morrer,
--Não por que esta vida valha;
Mas porque sei que heide ter
Teu coração por mortalha.
O mistério das cousas, onde está ele?
Onde está ele que não aparece
Pelo menos a mostrar-nos que é mistério?
O meu olhar é nítido como um girassol,
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e a esquerda