O maestro sacode a batuta
Autor: Alberto Caeiro on Friday, 28 December 2012
O maestro sacode a batuta,
A lânguida e triste a música rompe ...
Lembra-me a minha infância, aquele dia
O maestro sacode a batuta,
A lânguida e triste a música rompe ...
Lembra-me a minha infância, aquele dia
Ai d'aquelles que, um dia, depozeram
Firmes crenças n'um bem que lhes voou!
Ai dos que n'este mundo ainda esperam!
Terão a sorte de quem já esperou...
Ai dos pobrinhos, dos que já tiveram
Oiro e papeis que o vento lhes levou!
Ai dos que tem, que ainda não perderam,
Que amanhã, serão pobres como eu sou.
Ai dos que, hoje, amam e não são amados,
Que, algum dia, o serão, mas sem poder!
Ai dos que soffrem! ai dos desgraçados
Dez da manhã. Vento da
serra. Tres graus negativos
_Mãos frias, coração quente_!
Quanta vez isto dizias
Com o teu ar sorridente,
Apertando-me as mãos frias...
Agora decerto o tenho
Num brazeiro, num vulcão.
O frio é tanto, é tamanho
Que a penna cae-me da mão...
Q'ria dizer-te o que penso
E o que faço e premedito,
Mas posso lá ser extenso
Com este frio maldito!
Tu perdoas certamente,
Tu não te zangas, pois não?
_Mãos frias, coração quente_
--Lá diz o velho rifão...
Lagrima celeste,
Perola do mar,
O que me fizeste
Para me encantar!
Ah! se tu não fosses
Lagrima do céo,
Lagrimas tão dôces
Não chorára eu.
Se nunca te visse
Bonina do val,
Talvez não sentisse
Nunca amor igual.
Pomba desmandada,
Que é dos filhos teus,
Luz da madrugada,
Luz dos olhos meus!
Meu suspiro eterno,
Meu eterno amor,
D'um olhar mais terno
Que o abrir da flôr,
Tu que não temes a Morte,
Nem a sombra dos cyprestes,
Escuta, Lyrio do Norte,
Os meus canticos agrestes:
..........................................
..........................................
..........................................
..........................................
Tu ignoras os desgostos
D'um coração torturado,
Mais tristes do que os soes postos,
Ou de que um bobo espancado!
O luar quando bate na relva
Não sei que cousa me lembra...
Lembra-me a voz da criada velha
O luar através dos altos ramos,
Dizem os poetas todos que ele é mais
Que o luar através dos altos ramos.
Quando olho para o céu azul
Penso que estou sendo puxada da terra,
Pois a sua cor é tão envolvente como a força de atração da eletricidade.
Olho as estrelas em meio a uma extensão preta
Pra mim elas são como pontos ou buracos
Chamando-me para ir de encontro a elas.
Quando me lembro da imensidão azul
Daquele cheiro de mar choro,
«Um mover d'olhos brando e piedoso
Sem vêr de quê; um riso brando e honesto
Quasi forçado; um doce e humilde gesto
De qualquer alegria duvidoso
* * * * *
Um encolhido ousar; uma brandura,
Um medo sem ter culpa; um ar sereno,
Um longo e obediente soffrimento.
* * * * *
Camões
Num quente e perturbante fim de tarde,
Cujo magnetico e profundo enlevo
Ainda agora em mim crepita e arde,
Como se fosse a tarde em que te escrevo,