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A CANÇÃO DAS PERDIDAS

_A Vianna da Motta_

I

Quem por amôr se perdeu
Não chore, não tenha pena.
Uma das santas do céu
--É Maria Magdalena...

II

Minha mãe foi o que eu sou.
Eu sou o que tantas são.
Que triste herança te dou,
Filha do meu coração!

III

Meu pae foi para o degredo
Era eu inda pequena.
Se não morresse tão cedo,
Morria agora--de pena...

IV

E ha no mundo quem afronte
Uma mulher quando cae!
Nasce agua limpa na fonte,
Quem a suja é quem lá vae...

NA FOLHA D'UM ROMANCE

    Moldada ao bem nasci, mas debil planta
    Verguei de vicio ao sopro pestilente;
    D'entre o vicio porém minha alma ardente
    Castos hymnos a Deus saudosa canta.

    Ah! se um mentido affecto amor levanta
    N'um pobre coração inexperiente,
    D'elles a culpa é toda! uma innocente
    Não consulta a razão, razões supplanta.

    Cahi, verguei, Senhor! já pervertida
    Graças, beijos vendi, vendi belleza,
    Triste commercio de mulher perdida.

NÃO!

Tenho-te muito amor,
    E amas-me muito, creio;
    Mas, ouve-me, receio
    Tornar-te desgraçada.
    O homem, minha amada!
    Não perde nada, goza;
    Mas a mulher é rosa...
    Sim, a mulher é flôr!

    Ora e, a flôr, vê tu
    No que ella se resume...
    Faltando-lhe o perfume,
    Que é a essencia d'ella,
    A mais viçosa e bella
    Vê-a a gente e... basta.
    Sê sempre, sempre, casta!
    Terás... quanto possuo!

*TARDE DE VERÃO*

Trepam-lhe pelas janellas
Jasmins, cheirosas serpentes,
E soltam-se as bambinellas
Em pregas indifferentes.

Os lyrios que são uns ais
Suspiram melancholias;
Riem quadros sensuaes
Nas largas tapeçarias.

Satyro ri nas florestas
Niobe soluça magoas,
E escuta-se entre as giestas
A voz rythmica das agoas.

E á luz dubia dos occasos
Ensanguentados do Sul
As camelias dos seus vasos
Olham voltadas o azul.

MEDITAÇÕES SOBRE THEMAS DO ECCLESIASTES

I

_A Celestino Steffanina_

     Vaidade de vaidades, disse o Ecclesiastes: vaidade de vaidades, e
     tudo vaidade.

    (_Capit. I, v. 1_).

Semeador de iniquidades,
Porque é que mandas sobre os teus eguaes?!
O mando o que é? _Vaidade de vaidades_,
Fumo que ao desfazer-se engrossa mais...

Oh minha vista o que é que foi que viste
Cá neste mundo impiedoso e rudo?

_Que só a vaidade existe_
--Em todos nós, e em tudo!...

II

_A Israel Anahory_

Amas, pobre animal! e tens tu pena?...

Amas, pobre animal! e tens tu pena?...
    Sim, póde na tua alma entrar piedade?
    Se póde entrar, eu sei! Negar quem ha-de
    Amor ao tigre, coração á hyena!
        Tudo no mundo sente: o odio é premio
    Dos condemnados só, que esconde o inferno.
    Tudo no mundo sente: a mão do Eterno
    A tudo deu irmão, deu par, deu gemeo.
        A mim deu-me esta gata, a mim deu-me isto...
    Esta fera, que as unhas encolhendo
    Pelos hombros me trepa e vem, correndo,
    Beijar-me... Só não vivo! amado existo!

*Certa Velhinha*

1

Além, na tapada das _Quatorze Cruzes_,
Que triste velhinha que vae a passar!
Não leva candeia; hoje, o céu não tem luzes...
Cautella, velhinha, não vás tropeçar!

Os ventos entoam cantigas funestas,
Relampagos tingem de vermelho o Azul!
Aonde irá ella, n'uma noite d'estas,
Com vento da _Barra_ puxado do sul?

Aonde irá ella, pastores! boieiras!
Aonde irá ella, n'uma noite assim?
Se for un phantasma, fazei-lhe fogueiras,
Se for uma bruxa, queimae-lhe alecrim!

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