Geral

CANTIGAS: _Feitas nas caldas com o Estribilho_.

_Olhos meus, cansados olhos,
O vosso officio he chorar_.

Nas Caldas, nas tristes Caldas
Alegria vim buscar;
Quiz de noíte ver o Sol,
Quiz achar fogo no mar.
    _Olhos meus, etc._

Que importa mudar de terra,
E baldados passos dar,
Se a toda a parte a que os volto
Vai comigo o meu pezar.
    _Olhos meus, etc._

Vejo pálidos doentes
Pela Copa passear,
Oiço de antigas molestias
Tristes effeitos contar.
    _Olhos meus, etc._

Magnificat

Quando é que passará esta noite interna, o universo,
E eu, a minha alma, terei o meu dia?
Quando é que despertarei de estar acordado?
Não sei. O sol brilha alto,
Impossível de fitar.
As estrelas pestanejam frio,
Impossíveis de contar.
O coração pulsa alheio,
Impossível de escutar.
Quando é que passará este drama sem teatro,
Ou este teatro sem drama,
E recolherei a casa?
Onde? Como? Quando?
Gato que me fitas com olhos de vida, que tens lá no fundo?
É esse! É esse!

MELODIA CONFIDENCIAL (De Albert Samain)

_A L.C._

      Num andamento
      Discreto, lento,
Mal se ouve o pêndulo lavrado e antigo.

      Vamos vogando
      No lago brando
E sem limites do silencio amigo...

      O ultimo e cavo
      Accorde do cravo
Ficou vibrando exclamativamente.

      E, em espiral
      Ascencional,
Cingiu-nos num abraço enlanguescente.

      Na alcatifa macia
      Entrou na agonia
Uma rosa sedenta e abandonada,

DINHEIRO

    O dinheiro é tão bonito,
    Tão bonito, o maganão!
    Tem tanta graça o maldito,
    Tem tanto chiste o ladrão!
    O fallar, falla d'um modo...
    Todo elle, aquelle todo...
    E ellas acham-no tão guapo...
    Velhinha ou moça que veja,
    Por mais esquiva que seja,
             _Tlim!_
             Papo.

Nunca me ha-de esquecer (ingrata! escuta)

    Nunca me ha-de esquecer (ingrata! escuta)
    Não tendo eu mais talvez que os meus dez annos
    Esses olhos crueis, esses tyrannos
    Commigo em porfiada aberta lucta.
 
    Se eu fôra voraz lobo ou fera bruta
    D'entranhas más, instinctos deshumanos,
    Talvez o fructo então de teus enganos
    O não colhesses tu de face enxuta.

    Mas eu perdôo-te o mal que me has causado;
    A culpa não é tua e só devia
    Vingar-me em quem tão bella te ha formado.

*A SESTA DO SENHOR GLORIA*

É no fim do jantar. Deram tres horas
No bom relogio antigo dos avós,
E o senhor Gloria pega n'uma noz
Com um ar de quem trata com senhoras.

A casa de jantar toda pintada
E o estuque cheio d'aves, de paysagens,
De nymphas, prados, d'aguas, de boscagens,
Tem uma forma antiga e recatada.

D'involta com seus goles de Madeira
A senhora digere o seu café;
E ao lado, um filho rubido de pé
Parece um pregador sobre a cadeira.

_Mandando huma gallinha a huma Pretinha bonita, que gostava de brincar com ellas_.

As tuas fulas mãoszinhas,
Que a fome já não descarna,
E que de crearem sarna
Passão a crear gallinhas;
Acceitem creações minhas,
Que eu a outros fins guardava;
Senhora com côr de escrava,
Alta estrella, que em ti brilha,
Manda que se dê á Filha
Aquillo que o Pai furtava.

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