Não tenho pressa
Autor: Alberto Caeiro on Thursday, 13 December 2012
Escrito em 20-6-1919.
Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Escrito em 20-6-1919.
Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Não me importo com as rimas. Raras vezes
Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.
Penso e escrevo como as flores têm cor
E dai se teu bilhete de identidade afirma que tens mil anos?
E daí se teus olhos já não enxergam tão bem como ontem?
Se teus passos já não são tão firmes e a voz tão poderosa?
Olhe-me aquí dentro do meus olhos e com os teus
abraça-me...
Não vejo tua bengala
Não apalpo as batidas do teu coração exausto
Á luz delle foi talvez
Que primeiro
A bocca dum português
Disse a palavra saudade...
Luar de platina,
Luar que allumia
Mas que não aquece,
Photographia
D'alegre menina
Que ha muitos annos já... envelhecesse.
Luar de janeiro,
O gelo tornado
Luminosidade...
Rosa sem cheiro,
Amor passado
De que ficasse apenas a amizade...
Ó pobres versos meus, lançae-vos pela estrada
Agreste e pedregosa, aonde os companheiros
Da luta, encontrareis, meus infimos guerreiros,
Formando os batalhões da bellica avançada!
E o trajo em desalinho, a face illuminada,
Transponde, sem demora, os fossos derradeiros
Que separam de nós os braços justiceiros
Da serena Verdade, a Deusa idolatrada.
Vencidos no combate, ou pouco ou nada importa.
Ao chão vergae sem pena a faço semi-morta,
Mordendo, inda a lutar, o pó da enorme liça:
Eu sou, mulher suave, aquelle antigo louco,
O triste sonhador que o teu olhar cantou,
E que hoje vae sentindo, o sonho, a pouco e pouco,
Fugir como o luar d'um astro que expirou!
Que morra, porque, emfim, bem longo elle tem sido
E tempo é já, talvez, da Morte desposar
O sonho que em minha alma entrou como um bandido
E só da vida sae depois de me roubar!
Eu devera amarral-o á braga do forçado,
Como a Justiça faz aos despreziveis réos,
E lançal-o depois á valla do passado
Aonde o fulminasse a colera dos céos.
Tu que passas, descobre-te! Alli dorme
O forte que morreu.
Dá ao martyr do Louvre algumas flores;
Dá pão ao seu lebreu.
Da batalha era o dia. O canhão troa:
E o livre corre á morte, e juncto delle
O seu cão vai:
A mesma bala ambos feriu: o martyr
Não deploreis: o amigo seu que vive
Só pranteai!
Tristonho, sobre o forte elle se inclina,
Affagando-o e gemendo; e a ver se acorda
Põe-se a latir;
E do seu companheiro no combate
Sobre o cadaver sanguinoso o pranto
Mastros quebrados, singro num mar d'Ouro
Dormindo fôgo, incerto, longemente...
Tudo se me igualou num sonho rente,
E em metade de mim hoje só móro...
São tristezas de bronze as que inda choro -
Pilastras mortas, marmores ao Poente...
Lagearam-se-me as ânsias brancamente
Por claustros falsos onde nunca óro...
Desci de mim. Dobrei o manto d'Astro,
Quebrei a taça de cristal e espanto,
Talhei em sombra o Oiro do meu rastro...
Arida palma
Tem seu licôr,
Tem como a alma
Tem seu amor;
Tem como a hera
Tem seu abril,
Tem como a fera
Tem seu covil.
Tem toda a planta
Que o sol queimou
Lagrima santa
Que a orvalhou,
E o passarinho
Que hontem nasceu
Lá tem seu ninho
Que a mãi lhe deu.
Noitinha. O sol, qual brigue em chammas, morre
Nos longes d'agoa... Ó tardes de novena!
Tardes de sonho em que a poezia escorre
E os bardos, a sonhar, molham a penna!
Ao longe, os rios de agoas prateadas
Por entre os verdes cannaviaes, esguios,
São como estradas liquidas, e as estradas
Ao luar, parecem verdadeiros rios!
Os choupos nus, tremendo, arripiadinhos,
O chale pedem a quem vae passando...
E nos seus leitos nupciaes, os ninhos,
As lavandiscas noivam piando, piando!