De longe (N'UM BILHETE DE VISITA)
Autor: Augusto Gil on Thursday, 29 November 2012Eis o pedido simples que te indico,
Se acaso o teu amor do meu partilha:
Ama-me com o amor que eu te dedico
E pensa em mim, como em ti penso, filha.
Eis o pedido simples que te indico,
Se acaso o teu amor do meu partilha:
Ama-me com o amor que eu te dedico
E pensa em mim, como em ti penso, filha.
A música p'ra mim tem seduções de oceano!
Quantas vezes procuro navegar,
Sobre um dorso brumoso, a vela a todo o pano,
Minha pálida estrela a demandar!
O peito saliente, os pulmões distendidos
Como o rijo velame d'um navio,
Intento desvendar os reinos escondidos
Sob o manto da noite escuro e frio;
Sinto vibrar em mim todas as comoções
D'um navio que sulca o vasto mar;
Chuvas temporaes, ciclones, convulsões
Volteiam dentro de mim,
Em rodopio, em novelos,
Milagres, uivos, castelos,
Forcas de luz, pesadelos,
Altas tôrres de marfim.
Ascendem hélices, rastros...
Mais longe coam-me sois;
Há promontórios, farois,
Upam-se estátuas de herois,
Ondeiam lanças e mastros.
Zebram-se armadas de côr,
Singram cortejos de luz,
Ruem-se braços de cruz,
E um espelho reproduz,
Em treva, todo o esplendor...
Eu gosto de velar a percorrer os mundos
Ó noite dos bons canticos,
Aos lividos clarões dos astros vagabundos
Nos extasis romanticos,
Emquanto a vil cidade, a cortesã devassa
Dos falsos ouropeis,
Com seus famintos cães, a sua lua baça
E os seus negros bordeis,
Resona torpemente aos beijos deleterios
D'alguns velhos amantes;
--Os longos hospitaes e os tristes cemiterios
Que a afagam delirantes!
Eis a velha cidade! a cortesã devassa,
A velha imperatriz da inercia e da cubiça,
Que da torpeza acorda e á pressa corre á missa!
Baixando o olhar incerto em frente de quem passa!
Ella estreita no seio a velha populaça,
Nas vis dissoluções da lama e da preguiça,
E nunca o santo impulso, o grito da Justiça,
Lhe fez estremecer a fibra inerte e lassa!
E póde receber o beijo e a bofetada
Sem que sinta o rubor da colera sagrada
Acender-lhe na face as duas rosas bellas!
«Meia-noite bateu, volvendo ao nada
Um dia mais, e caminhando eu sigo!
Vejo-te bem, oh campa mysteriosa...
Eu vou, eu vou! Breve serei comtigo!
Qual tufão, que ao passar agita o pégo.
Meu placido existir turvou a sorte.
Halito impuro de pulmões ralados
Me diz que nelles se assentou a morte.
Em quanto mil e mil no largo mundo
Dormem em paz sorrindo, eu vélo e penso,
E julgo ouvir as preces por finados,
E ver a tumba e o fumegar do incenso.
Escrito em 5-6-1922.
Dizem que em cada coisa uma coisa oculta mora.
Sim, é ela própria, a coisa sem ser oculta,
Eu gosto das aldeias socegadas,
Com seu aspecto calmo e pastoril,
Erguidas nas collinas azuladas--
Mais frescas que as manhãs finas d'Abril.
Levanta a alma ás cousas _visionarias_
A doce paz das suas eminencias,
E apraz-nos, pelas ruas solitarias,
Ver crescer as inuteis florescencias.
Pelas tardes das eiras--como eu gosto
Sentir a sua vida activa e sã!
Vel-as na luz dolente do sol posto,
E nas suaves tintas da manhã!
Vou sobre o Oceano (o luar de lindo enleva!)
Por este mar de Gloria, em plena paz.
Terras da Patria somem-se na treva,
Agoas de Portugal ficam, atraz...
Onde vou eu? Meu fado onde me leva?
Antonio, onde vaes tu, doido rapaz?
Não sei. Mas o vapor, quando se eleva,
Lembra o meu coração, na ancia em que jaz...
Ó Luzitania que te vaes á vela!
Adeus! que eu parto (rezarei por ella...)
Na minha _Nau Catharineta_, adeus!
N'um sitio ameno
Cheio de rosas,
De brancos lyrios,
Murtas viçosas;
Dos seus amores
Na companhia
Dirceo passava
Alegre o dia.
Em tom de graça,
Ao terno amante
Manda Marilia
Que toque, e cante.
Péga na lyra,
Sem que a tempere,
A voz levanta,
E as cordas fere.
C'os doces pontos
A mão atina,
E a voz iguala
A voz divina.
Ella, que teve
De rir-se a idéa,
Nem move os olhos
De assombro chêa.