Geral

Como Eu não Possuo

Olho em volta de mim. Todos possuem -
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.

Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da côr que eu fremiria,
Mas a minh'alma pára e não os sente!

Quero sentir. Não sei... perco-me todo...
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo pra ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lôdo.

Gênio do Mal

Gostavas de tragar o universo inteiro,
Mulher impira e cruel! Teu peito carniceiro,
Para se exercitar no jogo singular,
Por dia um coração precisa devorar.
Os teus olhos, a arder, lembram as gambiarras
Das barracas de feira, e prendem como garras;
Usam com insolência os filtros infernais,
Levando a perdição às almas dos mortais.

Choro piedoso, o choro consagrado

Choro piedoso, o choro consagrado
Ás desditas dos seus. Honra ao propheta!
Oh margens do Jordão, paiz formoso
Que fostes e não sois, tambem suspiro
Condoído vos dou.--Assim fenecem
Imperios, reinos, solidões tornados!...
Não:--nenhum deste modo: o peregrino
Pára em Palmyra e pensa. O braço do homem
A sacudiu á terra, e fez dormissem
O seu ultimo somno os filhos della--
E elle o veio dormir pouco mais longe...
Mas se chega a Sião treme, enxergando
Seus lacerados restos. Pelas pedras,

ÁS VISÕES

Pois que visões! não cessa a rapida corrida
E seja noite ou dia,
Volteadoras crueis! vós sempre a toda a brida
Na minha phantasia!

Parti chymeras vãs! archanjos ou _madonnas_,
Parti, que o mando eu,
Como um bando fatal de velhas amasonas
Que o circo aborreceu!

Levae tudo comvosco: as settas mais a aljava;
O angelico sorriso;
E as azas d'escumilha em que eu voava
Á noite, ao paraiso!

AS VELHITAS

Eu não professo muito o culto das ruinas.
Prefiro uma officina ás velhas barbacãs;
Das velhinhas, porém, mirradas, pequeninas,
No entanto nunca insulto as prateadas cãns.

Deixal-as caminhar, curvadas, vagarosas,
Com seu bento rozario, os seus fofos beitões,
A rirem-se de nós, crueis, maliciosas,
Sagazes comentando as nossas illusões!

Ah, velhitas sem côr! cabeças regeladas,
Vulcões de que só resta a cinza e nada mais:
Já fostes as visões; talvez as brancas fadas;
Prendestes vossos pés nos humidos rosaes;

O VELHO CÃO

Soltava hontem já tarde um velho cão felpudo
Uns doloridos ais,
Em frente d'um palacio altivo, bello e mudo,
Cerrado aos vendavaes.

Fazia pena ouvil-o, o misero mollosso
Em seu triste chorar!
Era quasi uma sombra: apenas pelle e osso
E um vago, um doce olhar!...

Eis a sorte cruel do pobre que não come,
Dos miseros sem pão!
Em paga ainda em cima os vae tragando a Fome,
A negra apparição!

*NO CALVARIO*

Maria com seus olhos magoados,
Ceus espirituaes, lavava em pranto
As largas chagas de Jesus, emquanto
Ria ao pé um dos tres crucificados.

Semblantes de mulher mortificados
Escondiam a dôr no casto manto;
Uma mulher d'Hennon chorava a um canto,
Jogavam sobre a tunica os soldados.

Martha, os pingos de sangue, alva açucena,
Dir-se-hia no bom seio recolhel-os;
Alguns riam brutaes d'aquella pena!...

Sê de Pedra!

Não reparaste nunca? Pela aldeia,
Nos fios telegraphicos da estrada,
Cantam as aves, desde que o sol nada,
E, á noite, se faz sol a lua cheia...

No entanto, pelo arame que as tenteia,
Quanta tortura vae, n'uma ancia alada!
O Ministro que joga uma cartada,
Alma que, ás vezes, d'além-mar anceia:

--Revolução!--Inutil.--Cem feridos,
Setenta mortos.--Beijo-te!--Perdidos!
--Emfim, feliz!--?--!--Desesperado.--Vem!

LYRA XXI.

Não sei, Marilia, que tenho,
Depois que vi o teu rosto;
Pois quanto não he Marilia,
Já não posso ver com gosto.
    Noutra idade me alegrava,
Até quando conversava
Com o mais rude vaqueiro:
Hoje, ó bella, me aborrece
Inda o trato lizongeiro
Do mais discreto pastor.
Que effeitos são os que sinto!
Serão effeitos de amor?

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