Geral

Doce Certeza

Por essa vida fora hás-de adorar
Lindas mulheres, talvez; em ânsia louca,
Em infinito anseio hás de beijar
Estrelas d´ouro fulgindo em muita boca!

Hás de guardar em cofre perfumado
Cabelos d´ouro e risos de mulher,
Muito beijo d´amor apaixonado;
E não te lembrarás de mim sequer...

Hás de tecer uns sonhos delicados...
Hão de por muitos olhos magoados,
Os teus olhos de luz andar imersos!...

Alcool

Guilhotinas, pelouros e castelos
Resvalam longamente em procissão;
Volteiam-me crepúsculos amarelos,
Mordidos, doentios de roxidão.

Batem asas d'auréola aos meus ouvidos,
Grifam-me sons de côr e de perfumes,
Ferem-me os olhos turbilhões de gumes,
Desce-me a alma, sangram-me os sentidos.

Respiro-me no ar que ao longe vem,
Da luz que me ilumina participo;
Quero reunir-me, e todo me dissipo -
Luto, estrebucho... Em vão! Silvo pra além...

Amor Sem Fruto, Amor Sem Esperança

Amor sem fruto, amor sem esperança
É mais nobre, mais puro,
Que o que, domando a ríspida esquivança,
Jaz dos agrados nas prisões seguro.
Meu leal coração, constante e forte,
Vendo a teu lado acesos,
Flérida ingrata, os ódios, os desprezos,
O rigor, a tristeza, a raiva, a morte,
Forjando contra mim, por ordem tua,
Mil setas venenosas,
Em prémio destas lágrimas saudosas,
Inda assim continua
A abrasar-se em teus olhos... Vis amantes,
Corações inconstantes,
De sórdidas paixões envenenados,

Mas troa a voz do monge, e, emfim, desperto

Mas troa a voz do monge, e, emfim, desperto
O coração bateu. Eia, retumbem
Pelos ecchos do templo os sons dos psalmos,
Que em dia de afflicção ignoto vate
Teceu, banhado em dôr. Talvez foi elle
O primeiro cantor que em varias córdas,
Á sombra das palmeiras da Iduméa,
Soube entoar melodioso um hymno.
Deus inspirava então os trovadores
Do seu povo querido, e a Palestina,
Rica dos meigos dons da natureza,
Tinha o sceptro, tambem, do enthusiasmo.
Virgem o genio ainda, o estro puro

Carmen

Sobre as dobras rendadas da mantilha
Brilham-te, como soes em pleno dia,
Os olhos mais galantes de Sevilha
Na fronte mais gentil d'Andaluzia.

A tua voz ao som da guitarrilha
Tem vibrações extranhas d'harmonia.
Ninguem canta melhor a seguidilha
N'esse paiz do Amor e da Alegria.

Nas voltas caprichosas do _bolero_
Não tens rival em graça e em _salero_
Carmen gentil, oh flôr das hispanholas!

Tu fazes-me o effeito inebriante
Dos vinhos de Xerez e de Alicante
Quando bailas ao som das castanholas!

O GRANDE TEMPLO

Eu não trajo o burel do magro cenobita
Nem me posso infligir crueis macerações;
Mas não rio d'alguem que busca a paz bemdita
No seio casto e bom das grandes solidões.

Bem sei que ha na montanha aromas penetrantes
E certas vibrações que podem fazer mal;
Mas se é preciso Deus, direi que é melhor antes
Amal-o com fervor no templo universal!

Em quanto sobre o altar das serras azuladas
Mil lampadas do céo derramam toda a luz,
Nas velhas cathedraes, já meio arruinadas,
O Tempo,--o grande verme!--até devora a cruz!

*ACCUSAÇÃO Á CRUZ*

Ainsi lirat-il les artiques vérités, les tristes vérités, les
    grandes, les terribles vèrités.
    (De Quincey)

Ha muito, ó lenho triste e consagrado!
Desfeita podridão, velho madeiro!
Que tens avassalado o mundo inteiro,
Como um pendão de luto levantado.

Se o que foi nos teus braços cravejado
Foi realmente a Hostia, o Verdadeiro,
Elle está mais ferido que um guerreiro
Para livrar das flexas do Peccado.

Que Aborrecido!

Meus dias de rapaz, de adolescente,
Abrem a bocca a bocejar sombrios:
Deslizam vagarozos, como os rios,
Succedem-se uns aos outros, egualmente.

Nunca desperto de manhã, contente.
Pallido sempre com os labios frios,
Oro, desfiando os meus rozarios pios...
Fôra melhor dormir, eternamente!

Mas não ter eu aspirações vivazes,
E não ter, como têm os mais rapazes,
Olhos boiando em sol, labio vermelho!

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