Geral

O matrimonio

De banza a tiracollo e capa á trovador,
Eu nunca fui cantar endeixas amorosas,
Lyrismos de Romeu junto aos balcões em flor,
Por sob o luar dormente e as nuvens vaporosas.

Tão pouco tenho a linha airosa, aristocrata,
Da fina flor do tom, os dandys adamados
Que andam pelos salões, monoculando, á cata
D'um dote que lhes salve a pança de cuidados.

Tenho, como qualquer, a aspiração ideal
D'uma noiva gentil, d'um ninho conjugal;
Mas tudo se desfaz se penso um só momento

*Menino e Moço*

Tombou da haste a flor da minha infancia alada,
Murchou na jarra de oiro o pudico jasmim:
Voou aos altos céus S.^{ta} Aguia, linda fada,
Que d'antes estendia as azas sobre mim.

Julguei que fosse eterna a luz d'essa alvorada,
E que era sempre dia, e nunca tinha fim
Essa vizão de luar que vivia encantada,
N'um castello de prata embutido a marfim!

Mas, hoje, as aguias de oiro, aguias da minha infancia,
Que me enchiam de lua o coração, outrora,
Partiram e no céu evolam-se, a distancia!

LYRA III.

De amar, minha Marilia, a formosura
Não se podem livrar humanos peitos.
Adorão os Heróes, e os mesmos brutos
Aos grilhões de Cupido estão sujeitos.
Quem, Marilia, despreza huma belleza,
    A luz da razão precisa,
    E se tem discurso, pisa
A Lei, que lhe ditou a Natureza.

O albatroz

Às vezes no alto mar, distrai-se a marinhagem
Na caça do albatroz, ave enorme e voraz,
Que segue pelo azul a embarcação em viagem,
Num vôo triunfal, numa carreira audaz.

Mas quando o albatroz se vê preso, estendido
Nas tábuas do convés, — pobre rei destronado!
Que pena que ele faz, humilde e constrangido,
As asas imperiais caídas para o lado!

*Forget me not.* (não me esqueças)

      Não te esqueço, florinha humilde e bella
      Que tornas a campina um firmamento,
      Innocente, sublime bagatella,
      Joia viva, risonho monumento.

      Não sei que poesia encontro n'ella,
      Que instilla em roda ethereo, vago alento
      Tão breve, tão discreta, tão singela,
      Qual pyrilampo, o nitido portento.

      N'essa titilação fosforescente,
      Lagrima-esmalte da urze tão subtil,
      Abrandas as escarpas da torrente

Oh sim!--rude amador de antigos sonhos

Oh sim!--rude amador de antigos sonhos,
Irei pedir aos tumulos dos velhos
Religioso enthusiasmo, e canto novo
Hei-de tecer, que os homens do futuro
Entenderão; um canto escarnecido
Pelos filhos dest' epocha mesquinha,
Em que vim peregrino a ver o mundo.
E chegar a meu termo, e reclinar-me
Á branda sombra de cypreste amigo.

MUNDO INTERIOR

      Materia ou Força, Lei ou Divindade
      Quem quer que seja que dirige o mundo,
      Esparze em tudo o espirito fecundo
      Do Summo Bem--Belleza, Amôr, Verdade.

      Á luz d'esta Santissima Trindade,
      Cercado d'esplendor, clamo e jucundo,
      Sorri-me em volta o universo; ao fundo,
      Por synthese Suprema, a Humanidade!

      Dos homens rujam temporaes medonhos...
      Que em mim, no meu labôr, do Bem sedento,
      Meus dias correm limpidos, risonhos!

*Á JANELLA DO OCCIDENTE*

O mundo oscilla
     (Luthero)

Os deuses ou são mortos ou caídos,
Quaes duros aldeões dormindo as sestas,
Ou andam pelos astros perseguidos
Chorando os velhos tempos das florestas,

Os reis ressonam nas devassas festas:
Já os fructos do Mal estão crescidos:
Ó Sol, ha muito que tu já nos crestas!
E aos nossos ais o Ceu não tem ouvidos!

Ha muito já que o Olympo está vazio,
E no seio d'um astro immenso e frio
É morto o Deus do Testamento Velho.

Eu vi passar, além, vogando sobre os mares...

Eu vi passar, além, vogando sobre os mares
O cadaver d'Ophelia: a espuma da voragem
E as algas naturaes, serviam de roupagem
Á triste apparição das noites seculares!

Seguia tristemente ás regiões polares
Nos limos das marés; e a rija cartilagem
Sustinha-lhe tremendo aos halitos da aragem,
No peito carcomido, uns grandes nenuphares!

Oh! lembro-me que tu, minha alma, em certos dias
Sorriste já, tambem, nas vagas harmonias
Das cousas ideaes! mas hoje á luz mortiça

Pages