Geral

Gesto corrompido

               Tem dias: oh dias!!!!

                que vem um aperto,

                a saudade de quando ria,

                na solidão de um dia suspeito.

 

                Porque viestes?

                Estava adormecido,

               rompi a folha, e as vestes

               em gesto corrompido.

 

               Na folha estava seu nome,

                nas vestes  o teu cheiro,

                 de quando matavas a fome,

                  tão minha ,tão sua, amor feiticeiro.

 

Deixando o Caminho Para Trás

O caminho me encontrou
sem escolha, voltei a caminhar
mas senti falta da dúvida
de me fincar em qualquer lugar
sem saber para aonde se vai


talvez eu nunca quisesse ir
nem caminhar, nem chegar
e na certeza de outra vez
perdidamente me descaminhar
vou deixando o caminho para trás.

Sem o Barulho do Mundo

Sem o barulho do mundo,
Para não falar silêncio,
Ouve-se a fina e persistente
Melodia da chuva noturna.

Se bem que
Alguns ainda a desfortunam,
Levam sua quietude à falência,
Uns com suas carências rugosas,
Outros com suas histerias inconvincentes.

Enquanto isso, são incapazes de notar
A vida escorrendo à surdina,
Sem um só refrão,
Ora para a música da arrebentação infinda,
As ondas num estribilho a divagar,
Ora para a culpa e sua disfonia
Sem nenhum perdão.

A Difícil Arte de Dizer Não

 

Não consegue dizer não, seja lá por medo...
Se diz, a faca da culpa lhe corta o peito,
Se não, o ódio de si lhe pesa as costas,
Tantas as coisas sem poder carregar postas.

Tão simples o não, e nunca dito,
Insiste no sim, que em não se volta contra ele,
Nega-se a não dizer o sim maldito,
Até quando mais se pode e deve.

E mais a si mesmo deve.
É, na verdade, cobrado pelo indébito,
Por tão inapropriadamente se tratar.
E mais vai devendo de tanto se doar.

O Tímido, o Púlpito e o Público

Chegou a hora de me despedir,
De ajeitar meu uniforme âmbar,
Sentir algo mastigando minha garganta.
Não, não estou minguando,
Apenas caminhando ao púlpito do remir.

Cinquenta impiedosos à minha frente,
Minhas pernas puritanas tremulantes,
Tanto menos que minhas mãos indecentes,
A folha de papel convulsionada entre elas,
Denunciando toda minha timidez.

Esqueço tudo o que foi estudado e ensaiado,
Quem era Ana Bolena, Tsé ou Maria Teresa,
Travo uma batalha ignominiosa,
Contra aquela turma de carrascos?

O Corvo Negro e o Desejo

Corvo, corvo negro,
Da cor dos meus cabelos,
Voa para longe
Com o alforje do meu desejo

Deixa-me renunciado
Como quem coisa alguma quer
Nem do inferno
Nem do céu

Como alguém que
Tem coragem de ser
Aquilo que nada é

Um engano, porque se sou
O que não era há pouco,
Mesmo que não queira,
Algo eu me tornei de novo

E a outro desejo serei entregue
Para que o corvo atenda a meu apelo,
Ainda que eu já não leve
A mesma cor nos cabelos.

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