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Serenata (A UMA VIZINHA)

Vae serena, desmaiada,
Entornando luar no azul,
A lua, taça quebrada
Dos festins do rei de Thule.

As estrellas maceradas
São como beijos de luz,
Ou lagrimas condensadas
Do martyrio de Jesus.

Serena como uma prece,
Cariciosa como um ninho,
A via-lactea parece
Estrada feita de arminho.

Estrada feita de arminho
E flocos alvinitentes,
Que talvez seja o caminho
Para a morada dos crentes.

*A LYRA DE NERO*

Nos seus jardins pagãos, entre archotes humanos,
Na lyra de marfim sobre as cordas douradas,
Nero vinha cantar ás noutes estrelladas,
Elegias d'amor e canticos thebanos.

Essa lyra do Mal que ouviram os romanos,
Que cantou entre o fogo, as casas abrazadas,
E os lutos, os truões, as ceias depravadas,
Que mysterios não viu, medonhos e profanos!

E, no emtanto, apesar da sua historia triste,
Se os tempos tem corrido, a Lyra ainda existe
Do devasso real, do lyrico histrião...

OS SONHOS MORTOS

Embora triste a noite, a vagabunda lua
Mais branca do que nunca erguia-se nos ceus,
Igual a uma donzella ingenua e toda nua
No leito ajoelhada erguendo a fronte a Deus!

O mar tinha talvez scintillações funestas.
A praia estava fria, as vagas davam ais;
Semelhavam, ao longe, as extensas florestas
Fantasmas ao galope em monstros colossaes.

E eu vi n'um campo immenso, agreste e desolado,
Immerso no fulgor diaphano da luz,
Juncando tristemente o solo ensanguentado
Sinistra multidão de corpos semi-nus!

Á meza do festim, cercada de formosas...

Á meza do festim, cercada de formosas,
O canto dos cristaes e o scintillar dos vinhos
Saudavam juntamente os bellos desalinhos
Das galantes vizões das ceias luminozas!

Molhavam-se em champagne as pétalas das rozas!
E em baixo, a nossos pés, em leves murmurinhos
A gaze sobreposta á candidez dos linhos
Erguia-se n'um mar de vagas caprichosas!

Ali tudo era paz! Nem odios vis nem zelos!
Os labios pois limpando ás rendas e aos cabellos
Da menos trivial das fadas tentadoras,

*Elegia*

Vae em seis mezes que deixei a minha terra
E tu ficaste lá, mettida n'uma serra,
Boa velhinha! que eras mais uma criança...
Mas, tão longe de ti, n'este Payz de França,
Onde mal viste, então, que eu viesse parar,
Vejo-te, quanta vez! por esta sala a andar...
Bates. Entreabres de mansinho a minha porta.
Virás tratar de mim, ainda depois de morta?
Vens de tão longe! E fazes, só, essa jornada!
Ajuda-te o bordão que te empresta uma fada.
Altas horas, emquanto o bom coveiro dorme,

LYRA VI.

Oh! quanto póde em nós a varia Estrella!
Que diversos que são os genios nossos!
    Qual solta a branca vélla,
E affronta sobre o pinho os mares grossos.
Qual cinge com a malha o peito duro;
E marchando na frente das cohortes,
Faz a toare voar, cahir o muro.

ROSAS

    Trazeis-me rosas; d'onde as heis trazido,
    Boa velhinha e minha boa amiga?
    Rosas no inverno! permitti que o diga,
    Sois feiticeira: d'onde as heis colhido?

    Na primavera de meus annos, ólho,
    Mas vejo abrolhos e não vejo flôres:
    E vós colhêl-as, como as eu não colho...
    Sois feiticeira--enfeitiçaes d'amores.

    Enfeitiçaes que a formosura, crêde,
    Não vem da face avelludada e bella;
    A formosura vem só d'alma; é d'ella
    Que brota a fonte que nos mata a sêde.

Os Faróis

Rubens, rio do olvido, jardim da preguiça,
Divã de carne tenra onde amar é proibido,
Mas onde a vida flui e eternamente viça,
Como o ar no céu e o mar dentro do mar contido;

Da Vinci, espelho tão sombrio quão profundo,
Onde anjos cândidos, sorrindo com carinho
Submersos em mistério, irradiam-se ao fundo
Dos gelos e pinhais que lhes selam o ninho;

*O Marquez de Pombal*

      _Le Roi Faineant_ cerrará os olhos
      E partira entre nuvens para o ceu
      Surge, depois, na côrte um escarceu
      Que brame da vingança nos escolhos

      D'altas vagas de bronze nos refolhos
      Poz a Intriga um galeão como trofeu
      A effigie de Pombal tinha em labeu
      Jaz na poeira, no olvido, e nos abrolhos.

      Então a Inveja alastra a baba escura
      Qual serpente, que as roscas ennovela
      E a empreza do ministro transfigura.

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